28 de jul. de 2010

Sujeito oculto

Eu conseguia sentir muito amor, por isso pensei em escrever um longo poema.
Um denso poema de sálvia e saliva.
Queria falar da saudade do teu beijo, do cheiro dos ventos e das flores.
Queria falar das tristezas permanentes, das promessas indizíveis, de meus acordos tácitos.

Na verdade, falava de mim, não de você.

Na verdade, acho que nunca soube separar muito bem você de mim. O meu corpo do teu, tuas verdades na minha nova sombra. Eu inventava.

E dizia para você como se isso fosse algo muito peculiar. Bobagens. Alguma vez você acreditou? Sinto tanto por tê-lo envolvido nas sutilezas da minha fragilidade.

Eu não posso te dizer com precisão se eu realmente disse a verdade em algum momento, exceto nos momentos em que te amei. Eu nunca precisei dizê-lo, eu pudia sentir como todos os meus sentidos o meu amor por você.

Todavia, além disso, não sei se soube,

Talvez tenha sido este o problema. Talvez tenha sido exatamente este o ponto em que me perdi. Eu não transpareci. Eu esmoeci. Eu mantive-me resoluta. Sofrendo uma dor de cal. Vivendo tanto concreto. eu não soube.

Por um instante, penso em pedir desculpas, para logo perceber: foi este o meu erro.

Preciso me amar tão apavoradamente como te amo.

E isso soa quase tão artificial. Tão eu quero engolir a frase de volta para que não seja verdade.

Eu não quero mais arrancar pedaços da minha pele. Eu não quero me rasgar pelo avesso. Eu passo incólume por cercas-arame farpado.

Eu te amo como uma extensão do meu desejo por mim mesma, que resplandece tão lentamente que mal posso dizer que, de fato, posso vê-lo.

só sinto, e isso basta.

2 de jul. de 2010

Para Caio Fernando. sua criança.seu velho.

Ao lado da minha mesa existe uma grande janela. Vou contar: é uma parede invisível.

E existe também esse vidro.

Durante o dia, quando a luz da manhã escorre pelo lado interno, eu sinto o cheiro quente do vento que desliza ao lado de fora.

Eu, aqui de dentro, fico sempre em busca de um passarinho, mas na maior parte do tempo só vejo aviões.

Eu olho muito por esse vidro durante o dia. Eu acho ele muito bonito. Acho bonita também a cidade que ele traduz.

É uma cidade distante, silenciosa, cheia de pequenas pessoinhas. Às vezes com pequenos coraçõezinhos, às vezes não.
Eu vejo muitos carros, e eles parecem tão lentos que eu até bocejo. Mas eu gosto desses carros. Daqui eu não vejo sua fumaça. Daqui, quase nada é real.

Tudo é explicado para mim pelo vidro que não fala.

Eu gosto de me divertir enconstando no vidro quando ninguém vê. Eu encosto de costas e,—, as mãos, os cabelos, com muita sorte o rosto.

Eu tenho vontade de abraçar essa cidade escondida debaixo do vento.

Para ser honesta, acho mais poético (pelo perdão de mais um clichê) quando chove, porque a gente não tem obrigação de ser feliz, fazer algo muito genial ou achar a vida muito linda nesses dias.

— Apesar de considerar o vidro que me conta sobre a cidade muito gracioso —

Imagino, a chuva, como um corte na mecanicidade da cidade. Um céu cinzento me parece uma sombra acima de todos, um reflexo pelo avesso das pessoinhas com pequenos e grandes corações.

Afinal, ainda não encontrei alguém com uma pequena nuvem somente sobre a sua própria cabeça. Fato que seria até bem conveniente, pensando um pouquinho.

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Agora não é mais dia. Agora já é noite lá fora, mas não aqui dentro.

Estou protegida pelo vidro. Lá fora é breu.

As luzes dos carros são brilhantes mas, através do vidro, elas são só lanterninhas cabeças-de-fósforo.

E durante a noite me vejo refletida no vidro. per-fei-ta-men-te.

É uma sensação quase estranha.

Para onde quer que eu olhe, lá estão meus olhinhos soltando gritinhos de sedução, tentando me abraçar.
Os peitinhos ficam mais cheios, os lábios mais juntinhos. Porque, a minha imagem que existe no espelho, acha tudo isso muito sedutor.

A que existe presa dentro do vidro é uma pessoinha que vive só do próprio reflexo. E ela sempre olha para os lados, pensando se alguma outra sombra do espelho irá lhe sorrir de volta um sorriso refletido de vidro.

Ela não se cansa.

Eu já tentei avisá-la. — Benzinho, você é feita de vento e breu da noite. O calor da tua mão, não é do teu coraçãozinho, é resquício do dia que ainda está impregnado no vidro-que-eu-gosto. Você é uma folhinha de papel.

Mas essa imagem silenciosa de vidro, não pode me dizer nada. Sua voz é fraquinha, suas mãos não foram feitas de pegar.

Eu queria abraçá-la. Quem sabe, sentá-la em meu colo e embalar a criança e o velho escondida em sua imagem de ar.

S'ao muitos os desejos de espuma.