14 de nov. de 2008
13 de nov. de 2008
Por favor, me dá tua mão
10 de nov. de 2008
Sujos de tantas outras paixões
10:00 da manhã.
Em pé, sozinha no meio-fio. Sol. Céu. Um céu azul que você me mostrou outro dia. E eu pensei naquela fotografia que nunca existiu.
As pessoas continuam se movimentando, trânsito, buzinas, pombas, comida, sujeira, gordos, feios, grávidas, cachorros sarnentos, namorados apaixonados, vendedores ambulantes. Velhinhos estúpidos, sujeitos burocratas, advogadas e seus sapatos de bico fino. Uma música ao fundo, um restaurante que cheira a paredes engorduradas, um cuspe no chão, uma rua esburacada, pombas, pessoas, crianças, bicicletas, motos e capacetes cor-de-rosa.
O céu me pertence. Ninguém esbarra em mim. Sinto como se eu fosse o eixo pelo qual a terra gira, tudo acontece em círculos à minha volta.E é como se eu não tocasse o chão por que não sinto meus pés.
Penso em todas as coisas que nunca existiram, todos os amores que desperdicei, minhas fugas, minhas fraquezas. Quero tacar fogo em tudo, já falei, um rito de passagem.
Não movo os braços, mantenho-me firme, em pé, não me permitiria ajoelhar ou sentar no meio-fio com os pés na rua, cabeça entre os joelhos. Mantenho-me sempre ereta.
Tudo continua em círculos, girando ao meu redor, pessoas, cachorros, comidas, buracos, portões, celulares, vitrines, peitos e bundas, cabelos, ambulantes, dinheiro. Girando cada vez mais rápido, não sinto minha respiração, não sinto meus joelhos e os pés das pessoas e os sapatos das advogadas e as mochilhas dos estudantes e não me mexo, não me misturo, não me perco, não cedo, mas meus joelhos já não obedecem, meu tronco não se sustenta, curvo-me perto do bueiro, logo abaixo do meio-fio.
E vomito púrpura e sangue. Violeta e anis.
E vomito mais um pouco e vou perdendo a força. Sob meus cabelos, sob meus pés descalços, o líquido quase translúcido escorre pelo meio das minhas pernas, encontra a sarjeta, desce lentamente até o bueiro e se perde na água que já está em ebulição lá dentro.
Tento alcançar o fundo, mas minhas mãos não atravessam a grade suja de ferro.
Apóio as mãos nos joelhos. Pneus, o chão quente, de perto os buracos no asfalto não são tão assustadores assim, penso. Pernas, verrugas, línguas de cachorros, um rato morto do outro lado da rua e uma bituca de cigarro numa poça d'água.
Limpo a boca com o braço.
Você segura meus cabelos, ajeita para trás. Sua imagem faz sombra sobre meu rosto e o sol não atinge meus olhos, você filtra toda a dor para eu não me machucar.
7 de nov. de 2008
Vinte e cinco motivos
Olhar fixo no seu cordão. Aquele que você tirou delicadamente do meu pescoço.
Ajeito os cabelos ao balançar levemente a cabeça.
Sou altiva, prepotente, equilibrada.
Além de não não servir para mim, você me atrapalha. Você e todos os outros.
Por que eu....ahhhh eu.
Se tivesse um pau grande igual ao seu seria general.
Mas eu não tenho nada. A não ser muito medo.
Hoje me sinto absolutamente situada no tempo e espaço adequado, mas deslocada tangencialmente do caminho que eu deveria seguir.
E se eu estiver errada? E se no fundo eu não tiver razão?
Eu.
Acho que só preciso ficar sozinha.
Ou não. Talvez esse seja o erro.
Talvez deva parar de escrever. Parar com florais, yoga, ler, faculdade, trabalho.
Vou começar a acordar esperando o fim de semana. Sair para baladas na Vila Olímpia pra encontrar executivos que fizeram administração.
Parar de ler jornais. Começar a ouvir axé, ir em micaretas, festas patrocinadas por operadoras de celular, comprar sapatos da moda, encontrar um marido justo e responsável.
Fazer uma poupança, pagar previdência privada. Assistir novelas.
Comprar pacotes turisticos da CVC e almoçar mais lasanha e estrogonofe.
Beber vinhos de 20 reais, aquele que investem num rótulo legal e ficam bonitos quando eu guardar na geladeira.
Talvez deva visitar mais meus pais, dormir mais, assistir mais TV, reclamar mais, ser mais crítica, ter valores morais incorruptíveis, acreditar em verdades absulutas e resolver casar na igreja.
Talvez deva parar de escrever.
Cruzo as pernas. Apóio o cotovelo no joelho e seguro o queixo com as mãos.
Sim, pareço muito intelectual.
Mas não, não me lembro que o Monteiro Lobato havia criticado a Semana de Arte Moderna.
Não, não escrevo nada em grego.
Não, meu latim é uma bosta.
Meu inglês é com sotaque e não tenho dinheiro pra pagar o espanhol.
Sim, uso umas expressões em francês. Soa tão sofisticado.
Mas fumo cigarro de menta como putas pobres ou peruas divorciadas.
Sim, falo sobre teatro como se fosse uma habitué, mas chamo Paulo Autran de Paulo Francis.
Confundo gregos e romanos e não me lembro de todas as figuras de linguagem.
Sim, minha mente está confusa. Não tenho memória.
Sou irresponsável, imatura, inconsequente, por isso, hoje estou aqui.
Sentada com as pernas cruzadas.
Olhando uma garrafa de água cheia, um celular morto, uma janela empoeirada, tentando decidir que filme assistir, se vou de MacBeth ou Marques de Sade.
Decidindo se te ligo ou te esqueço.
Decidindo qual amigo odiar mais e qual a próxima mentira a contar.
Decido me levantar.
Esfrego as mãos.Tiro a roupa.
Caminho em sua direção.
Te beijo com os olhos fechados. As palmas da mão abertas. Peito limpo. Cabelos sobre seu rosto.
Sim, você já sabe. Não sei sobre uma porção de coisas importantes. Não sei sobre mim mais do que sei sobre você.
Mas não te culpo mais do que deveria me culpar. Por que eu não queria ter me perdido, mas agora ......de que importa...
Já acendi um fósforo, sentei ao lado dos sacerdotes. O som do canto envolvente, o fogo.
A redenção pela crença. A redenção pela arte, pela fé do que restou das minhas cinzas.
Vem, beija minha pele. Silencia o ambiente.
Me conta aquela história que você nunca terminou, por que eu já cansei de falar de mim.
3 de nov. de 2008
Desespero não é moda só em 76
Ao longo da noite, meu humor oscilava entre um cigarro e outro, e conforme o líquido vermelho ia descendo pela garganta eu conseguia me acalmar por algumas horas.
Tinha sim alguns momentos de lucidez ou será que na verdade consegui me livrar alguns momentos , ainda que pequenos, do meu super ego?Que me persegue há tento tempo...tá gordo o bicho, viu?
Um sábado que eu pouco me recordo. Um sábado repleto de sonhos visionários, Artacho Jurado, olhares trocados, mesas vermelhas (eram verdes, verdes na verdade) e um prato com limão e bitucas de cigarro.
Sonhos indecifráveis, dor nas costas, saudade da yoga, meias e blusa de frio. Estava me escondendo de mim mesma, eu suponho....
Uma manhã chuvosa e quente, Led Zepellin, (...), Led, (...), um Cartola pra não perder o costume de estar no controle.Um banho que cheirava a cor-de-rosa e sem gosto.
Um filme espanhol pela metade, um estranho estado de torpor, de envenenamento, mãos trêmulas, boca semi-aberta, sorriso amarelo (achei que só eu notasse).
Um último cigarro pela metade para terminar o dia, não consegui finalizar nem iniciar nada. Eu que estava tão inspirada, começo de mês. Mantive-me apática, esperando pela janela por um sol que não apareceu.
Sonhos desconexos, uma parede fria, um gosto amargo na boca. Algum tremor me percorria o corpo. Dormi com a estranha sensação de alguém que assiste ao jogo do lado de fora do campo, como um jogador de meia idade gordo, com problemas na coxa esquerda, tomando uma cerveja.
Com uma premonição nostálgica, um círculo que se renova a cada aniversário, que eu aceito sim com muita coragem, mas cada vez mais pálida.
Andréia dois
Alguém aí sabe quem é Luiz Felipe Pondé? Se conhecer diz que eu mandei um beijo.
LUIZ FELIPE PONDÉ
Às vezes a diferença entre o Bem e o Mal é apenas o número de taças ou de horas
DE NOVO Andréia. O dia anterior tinha sido de fortes emoções. A conversa com seu chefe, a ligação de seu noivo (e a estranha desatenção que sentiu por ele), as batidas violentas do coração, o medo da saia talvez excessivamente curta, enfim, o suor à noite sozinha na cama. O medo de se perder "na saia excessivamente curta" foi o estopim do pesadelo que tivera. No sonho, deitada em um caixão, morta, ouvia as palavras duras das pessoas: "Imagine, a Andréia, fazer uma coisa dessas...". Como não se sentir uma mulher vulgar tendo tais desejos? O medo de ser apenas comum é uma descoberta que marca o amadurecimento de todo mundo que respira.
Acordou num susto. Ainda olhando para o teto, Andréia foi tomada por um sentimento horrível de culpa. Mas passou, graças a Deus.
Na noite anterior, nada em seu coração parecia indicar medo. Hoje, ela se afogava em temor. Qual seria a razão? Como suportar tamanha variação de humor?
Era uma mulher inteligente, e difícil de ser enganada. Ela não corria riscos como se fosse uma menina banal mergulhada em delírios românticos. Às vezes era assaltada pela sensação de que tinha projetos demais e que talvez não quisesse ser tão forte assim para realizá-los. Mas sua geração era condenada à força como forma de vida. Isso era ser livre. Passava os 25 anos. Dizia pra si mesma: "Ainda tem muito tempo...".
Olha o relógio e vê que acordou cedo demais. "Vou ler", pensa. Vai até a estante do pai e pega o livro "Para Além de Bem e Mal" do Nietzsche. A decisão de ler esse livro, muito famoso, veio da sensação que sentira no dia anterior quando conversava com seu chefe. E o que viria a ser "estar além do Bem e do Mal"?
Engana-se quem pensa que isso seja uma fórmula filosófica complexa. Estar além do Bem e do Mal para nossa assustada Andréia era o seguinte: caminhar pelo centro velho de Praga de mãos dadas com seu chefe. Por exemplo, visitar a casa do Kafka, o velho cemitério judeu medieval, sentar-se num café, tomar um vinho e juntos sentir frio.
Às vezes a diferença entre o Bem e o Mal é apenas o número de taças de vinho, às vezes os números de horas entre as taças. Simples assim. Afinal, onde estariam seus princípios? Em lugar nenhum. Seria sua ética apenas a distância entre o instinto, o álcool e a culpa?
Será que a grana dele a seduzia? Não, isso seria muito humilhante, alguma beleza deveria haver nele. Havia uma leveza no modo daquele homem tratar a vida. A indiferença mesma com a qual ele parecia lidar com o mundo, era o que a atraia. Agarrou-se a esta palavra: "indiferença". Largou o livro. Tropeçou. Comeu além do normal. De pé, contemplava suas roupas: "Hoje vou vestida de freira". Decidiu que ligaria para seu noivo ainda no caminho. Onde estaria o celular?
Descendo a Rebouças, Andréia sentia que o mundo estava rápido demais para as 8 da manhã. Toca o telefone, atende, era o noivo. Ele ligara antes, afinal. Sua prontidão a irritava. Estaria ela, de algum modo, apaixonada pela indiferença?
Conversa de amenidades, amaldiçoa o trânsito. Marca um encontro à noite. Desliga. Três ou quatro frases que qualquer um poderia ter falado, uma conversa absolutamente impessoal. Talvez até o almoço voltasse a sentir alguma culpa, e aí estaria salva.
Pensa naquele noivo carinhoso e atencioso. "Algo falta nele", pensa. O que pode faltar num homem carinhoso e atencioso? Por um instante, quase esqueceu do seu rosto. "Há algo de errado comigo!"
Entra no estacionamento da agência. Percebe, com um salto do coração, que o impossível acontecera. Chegaram juntos, ela e o indiferente. Por um instante ela pensa em fingir que procurava algo para não ter que suportar 13 andares juntos no elevador. Entre aquele indiferente e a prontidão do noivo, só uma louca ficaria com o primeiro.
Seria Andréia agente de seu pequeno destino? O chefe a vê e vem até ela. "Bom dia, Andréia." Ela desce do carro. Entram juntos no elevador. Procura algo para dizer. Deseja ardorosamente que outras pessoas entrem no elevador. Atravessam os andares em silêncio e sozinhos. Na altura do 6º andar, percebe um livro na mão dele.
"Já leu?", pergunta o indiferente, mostrando a capa. Lia-se em letras vermelhas "O Anticristo" de F. Nietzsche. "Não!" Definitivamente, a vida tomara a dianteira: ela estava à deriva novamente. De repente, a revelação no espelho do elevador! Ela estava com calça muito justa.