16 de jul. de 2013

labirinto


O dia em que os dois gatinhos chegaram foi o pior dia da minha vida. Aquelas bolinhas de pêlo macias e medrosas.

A petite era magrinha, cheirosa e assustada como um esquilo no telhado. Tinha olhos agudos, miado sofrido, um corpinho tenso de surras. Podíamos dizer que ela havia apanhado. Mas não dissemos. Estávamos só preocupados em conquistá-la e em fazê-la acreditar que este era seu novo lar.

O petit tinha a barriguinha gorda, olhinhos gulosos, cheirava as pessoas e coisas e os sapatos. Tinha bigodes curtos e um focinho assez pequeno. Naquela época eu nao sabia muito bem nomear as coisas e, um pouco por negligência, seu nome ficou Chico. 

Como o avô. Meu avô.

Nao se tratava muito de uma homenagem. De fato, nem cheguei a conhecer esse avô. Tudo que sei é que ele era velho, bravo, um tanto rabugente e um tanto quanto mais ainda mulato. Diziam era ele neto de india. Tao brasileiro quanto o Macunaima.

Eu gostava so do som da palavra : chi-co. Como o picolé que minha mãe gosta : chicabon. (Confesso que até cogitei chamar o gatinho Chicabon, mas me parecia um pouco longo demais. Inevitavelmente, viraria apelido : Chica. E esse me soava moderno demais.)

E eu sou uma pessoa bem convencional.

Nasci e cresci na mesma cidade. Me casei e hoje cuido dos meus dois gatinhos. Faço a mamãe. Dona-de-casa, econômica e limpa. Um marido ótimo. Trabalha para o governo, joga bola às segundas-feiras. Não tem religião, mas também nao tem vícios. Veste-se decentemente e sou eu quem compra suas cuecas.

Não frequentamos bares, restaurantes ou shows de música. Somos pessoas caseiras. De bem com os outros. De bem com. oras.

***
Os gatinhos estavam lá. Fugindo de mim. Escondidos debaixo do sofá.

Meu marido ao meu lado, tinha os olhos mais assustados que eles.
E eu, eu tremia de emoção ao ver minha família margarina finalmente completa. Eu, meu marido, nossos gatos. O feijão cozinhando devagar no fogo.

Voltei para cozinha buscando um copo d’agua. Um refresco de limão de saquinho. Um copo com gelo. Meu corpo tremia. Eu tinha um orgasmo. Ou um ataque cardiaco.

Passando o gelo pela testa, molhei a nuca na pia e como um cena vomitada de um filme eu estava de novo na antiga casa da minha avó.

***

Meu avô viajava. Era caminhoneiro. Minha avó também não estava lá. Seu corpo estava, mas ela não. Ela nunca estava no lugar onde deveria estar. Desde aquela época ela estava sempre naquela lugar onde ninguém poderia ajudá-la, onde ninguém poderia salvá-la.  Limpava a casa como um robo, comia como as crianças, desdenhando das gostosuras do prato, tomava banho como os gatinhos. Quase sem água. Ela nunca suava.

Naquela tarde de poeira, ela corria contra ela mesma. Competitiva, devia sempre se superar a si mesma em quesitos como agilidade para limpar panelas, eficiência para enxugar pratos e muque para lustrar panelas.

Nesse instante, ela varria do quintal as folhas da mangueira. Os pequenos insetos e frutas caídas. Ao terminar o trabalho, entrou no quartinho dos fundos para guardar a vassoura no armário de vassouras (sempre de ponta cabeça, ao lado dos baldes e produtos de limpeza, e de maneira oposta à tábua de passar, e do ferro, e da pilha de roupas que.

A pilha de roupas. Que, de repente, inundada de sangue, pus e água. Os lençois brancos ,quase azuis. Seus lençois imaculados estavam embebidos em uma gosma nojenta que dava vida a uma pequena ninhada de filhotinhos de gatos. 5 ou 6 bolinhas sem pêlo de olhinhos fechados. Esperando o retorno da gata, que acabava de dar criar exatamente no quartinho dos fundos da minha avó. Precisamente em cima de sua pilha de roupas brancas à passar. Suas roupas brancas.

Com asco e um ódio crescente. Chorando palavras de desprezo, engolindo lágrimas à seco. Um por um, ela jogou os gatinhos recém-nascidos no bueiro.

A gata, como uma barata depois de receber uma esguichada de veneno, ficou vagando pelo quintal. Miando. Pela rua, pelos vizinhos. Semanas. Os gatinhos choraram durante três dias antes de morrerem. A gata nunca mais apareceu por lá.

No dia seguinte minha avó lavou novamente todos os lencois. Minha mãe diz que eles nunca estiveram tão limpos. Meu avô ainda viajava.

***

Agachada no chão da cozinha, eu me enchia de náuseas e meus olhos tombavam para trás como se fosse eu quem tivesse tomado uma porrada de veneno na cara.

Como se tivesse cheirado lança perfume e uma bateria de escola de samba passasse pelo meu fogão. Era a panela de pressao prestes a explodir, depois de mais de uma hora no fogo. O barulho de apitos e fumaça me guiou ate o botão para desligá-la.

Me levantei. Prendi os cabelos. Lavei o rosto. Acendi de novo o fogo pra fritar o alho. Minha avó. A filha mais nova de 18 irmãos. O alho dava pulinhos na gordura quente. O azul do gás subia quase gentilmente pelas laterais da panela.

***

O fogo. Mais ou menos como minha tia-avó morreu. Maria helena, com apenas 18 anos. Num dia à tarde, num desses de céus de poeira. Encheu uma bacia com álcool, entrou dentro e ateou fogo a si mesma, no mesmo quintal varrido da minha avó. Maria Helena, no desespero ao ver o corpo pegando fogo, correu até a rua gritando pelo nome da minha avózinha. Que atônita, nada pode fazer: nem sequer derramar uma lágrima. 

Isso se passou alguns anos antes dos gatinhos, ou depois, nunca saberei.

***

Desliguei o fogão. Essa noite não teve comida.  Os gatinhos se esconderam durante três dias até começarem a se habituar à nossa presença.

Nunca mais pensei sobre essa historia. Mas de tempos em tempos, acendia velas para a mãe que um dia eu seria, e para a mulher que eu gostaria de ser.



15 de jul. de 2013

mintirismos

se eu ainda fosse artista
não seria poeta
se fosse poeta, não seria um mal poeta
se fosse bom: seria homem

pourtant, se não fosse mulher seria estrela

pra morar à anos luz dessa cidade
dessa nossa falta de caridade e vontade e verdade

pourtant, nao veria nossos filhinhos
tão velhinhos, doentinhos
brincando de gatinhos

não daria tantos jeitinho
não cantaria devagarinho

no pé do seu ouvido
ouvindo o ronronar do seu peito

cansada de tanto.

eu só queria ser poeta.

8 de jul. de 2013

quebra cabeça

mais uma pecinha do quadrado
ser revolucionario é pensar numa bola e nascer um bicho pelado.





froliqui

Subo sofas, escalo cortinas
como raçao tomo aspirinas
ligo o radio e so ouço chiados
vozes do além?

pensei que subiria de vez na vida
todos os degraus no fim daquela avenida
você me empurrou do penhasco
e eu me salvei segurando na cauda do seu gato

nos dois nus à espera de uma epifania
quem de nos tera a coragem de salvar nossas vidas?


23 de mai. de 2013

aleijadinha

o sol brilha la fora, como uma maquina eletrica
eu me deito. sinto as costas que ardem, de repente, eu so sinto muito sono
tinha medo de escrever e que tudo que escrevesse se tornasse realidade
e eu tinha medo do moço porque ele era sincero demais e eles tinha as unhas limpas
e eu nao confio em homens com unhas bem feitas.

eu nao conseguia mais respirar, mas eu nao tinha mais medo de escrever sobre isso
eu nao sabia mais pensar.
e nem gostava mais do tarantino e achava que pra escrever poesia eu precisava de rimas
mas eu posso escrever como quiser, porque nem sou escritora e nem tenho contrato e nem tenho um editor que me diz que poesia nao vende, com excecao da angelica la e dos seus gatos

entao eu saio de casa com as unhas mal feitas porque nao sei colar as unhas falsas direito, e elas ficam gordas e todo mundo repara.

o cobrador do onibus, a moça do caixa do supermercado. ate o cachorro na coleira, antes de ter o pescoço engolido por uma gaivota do mal que passava.

eu jogo agua fria na dona do cachorro com a coleira na mao, ela estava mais roxa que seu chiuauwa com o pescoço pendurado na coleira.

a gaivota do mal, talvez fosse um gaviao, sobe ate a janela do segundo andar do predio mais proximo.
a moca que mora no segundo andar, de iPhone na mao. nao. nao era isso. ela tinha trocado, ela nao tem mais um iPhone, ela tem um sony. ela mudou tambem o corte de cabelo e o oculos de sol, ja que nao podia mudar o marido.  ela tem um ray ban agora. e ela nao gosta de sapatos apertados, mas ela usa porque isso faz ela classy.
a moça do segundo andar, essa mesma, posta no seu sony a photo do urubu com a cabeça do cachorro pendurado no bico. disse que ele ia pro sul, em direcao ao lixao da cidade, onde meninos de rua catavam lixo da rua e separavam para proxima exposicao de arte do vik muniz.

eu bem vi, depois de alguns anos, no sesc, uma escultura de autor desconhecido: menina de unhas gordas com cachorro decapitado. dizem que nao estava assinado e a toda a cena dava um ar meio barroco.


7 de mai. de 2013

Faltam 10 minutos para o fim da vida

Para mim mesma eu posso dizer: mas escrevo, e escrever nao é dizer, é marcar para os outros é ficar para a posteridade das minhas memorias inconnues.

Entao o texto é meu, dizendo para mim mesma: o que so eu sei. A dor que so eu conheço, e a faca no peito nao fura o papel.

So a minha dor que ninguém mais sentira, ninguém mais sabera. pois o toque da mao sobre a folha é maquina de impressao de faz de conta. O meu mundo inenomado.
indecifravel.

Faltam dez minutos para o fim da vida.

Uma francesa vestida de vermelho. Ela tem um filho, um patinete e quatro  vasos de flores. Ela briga com alguém no telefone. Ela ja gritou com o filho. eu nao sei se ela esta nervosa ou se é so o jeito normal dela.

Acho que a raiva dela é a minha.

ps: eu também achei ela um pouco feia.

faltam sete minutos.

o trem vem e passa por cima da menina.
a dor aparece e senta em cima da ferida.
a ferida é sangue sangrando, o sangue é vermelho amor.
o amor nao existe, minha dor é um buraco com vida.

faltam quatro minutos.

as meninas-fancy-bitchs-americanas usam perfumes baratos e se sentem muito finas por estarem na França.

Mas a França nao é fina.
A França é uma invençao do inconsciente coletivo.

Eles nem bebem vinho!

Eles sao piores do que eu.

faltam dois minutos.

o trem adiantado, ele ja vem lotado.



21 de abr. de 2013

sobre a nao-desistencia

Tem coisas que a gente demora um pouco pra entender

Como ir em restaurante nem sempre é um programa legal
Como visitar Paris com um caderninho na mao procurando um cafe é cafona

Como comprar chapeu panama em lojinha de souvenir é babaca

Como um estado paternalista nem sempre significa um pais de primeiro mundo

Como é chato discutir na internet

Como é chato querer ter sempre razao, sobretudo quando cada um tem sua propria razao


e na vida, as vezes so temos que ser ativos

quer dizer, na minha vida, eu so tenho é que ser ativa


me defendo dizendo que sou contemplativa

mas na verdade acho acontece mesmo é uma lentidao e preguiça de pensar
e um rebuscamento da linguagem
e a revelacao:
so escrevo coisas mela-cuecas


pois é, caiu. eu tenho controle da linguagem, na maioria das vezes, ao menos

precisava mesmo era limpar o texto

trabalhar ativamente cada poeminha


mas tenho essa coisa, de achar que um talento vem assim
pronto

um dia alguem vai reconhecer

mas tem tanta gente dizendo tanta coisa por ai
tanta tanta

que eu to é cansada de tanta democracia a favor da burrice


que to cansada de tambem de ter algo a dizer sobre isso

e, veja, demorei pra entender

apesar de ja ter parado de escrever

   Tudo o que eu faço
alguém em mim que eu desprezo
      sempre acha o máximo.

      Mal rabisco,
não dá mais para mudar nada.
      Já é um clássico.

[do livro Distraídos Venceremos]




12 de mar. de 2013

âncora

Na cidade tem um porto
Cujos benefícios desconheço
Culpa do espírito torto
é pelo chão o meu apreço

Talvez seja à cause do pai
que por reticência e outras manias
ao visitar a praia, com essa sempre saia:
menina gosta do mar. mas respeita sua grandeza.
senão acaba sozinha:
a boca cheia de areia

Vejo as águas indo e vindo
a espuma na clareira
Beijo branco-borbulhante
nas ondas azuis-sereia

passarinhos todos voando
com a boca e alma seca
no porto permaneço olhando
quais são as margens que me incendeiam.




16 de fev. de 2013

poeminha de amor inteiro

e da noite é saint valentin
meu santo de cabeceira
na fé que eu nem conhecia
a vida é profecia da alegria

e ainda santo antonio
que me importa ser santo casamenteiro
prefiro saint valentin
que conhece já meus desejos

quanto amor e confiança
tesão, respeito ai lambança
mas vai vendo meu santinho quase nada de abonança

e quem disse que de riqueza
é que bate o meu peito estreito
mas vale um amor inteiro
que mundos de ouro e dinheiro

meu amor cabe nos seus olhos
no seu peito e tem seu cheiro
sua risada escancarada no meio dos meus cabelos

obrigada saint valentin
pela graça de um ano inteiro
que os dias 14 de todos os anos
sejam ao lado do meu companheiro

1 de jan. de 2013

sex pistol


Se eu pudesse escolher, queria você, todinho assim
Lindinho pra mim.
Na curva da estrada meu braço no seu abraço
eu já cai totalmente no seu papo

Você me amando por todas as estradas menos a de Santos
Fazendo amor e me fazendo feliz
Descobrindo seus encantos
Brincando de ser sua e ter seu pinto só pra mim

Você me chupa e eu suada seguro o quadril
Só pra você me mostrar o quanto é viril
Sua mão na minha bunda
sua língua molhando minha nuca
nunca diga nunca

A gente se olha pelo retrovisor
Embaçado do nosso desembaraço
Você diria: Que barato
Um último beijo, te deixo a pé e roubo seu carro