4 de ago. de 2010

Deslumbre

— Eu gostava muito do seu banheiro. Do banheiro da sua casa. Gostava da solidão que transpirava dos azulejos frios durante nossos banhos longos.

— Por um tempo alimentei a ilusão de ter uma banheira. Mas a ideia de taças de champagne durante meus banhos de imersão me parecia vulgar, ao pensar nos copos de cristal que não tenho e nas banheiras antigas em que teria que me deitar. Isto é, se levasse este sonho adiante.

— Eu também gostava muito de manter trancada porta do meu quarto. Nas tardes infinitas de incensos, livros vomitados, um copo d'água, lapiseira 0.7, grafite HB. Chinelos, shorts, blusas de barriga-de-fora esperando.
Um eterno cruzar de pernas.

— Sabe, veja como é engraçado. Eu poderia me lembrar de muitas casas, mas me lembro especialmente desta. Na verdade, não era casa, lembro-me com carinho somente do meu quarto. As paredes eram tão minhas, a imobilidade dos móveis parecia tanto com a minha visão da vida. Talvez nem tenha durado tanto tempo assim.

— Talvez todas estas imagens tenham existido, de fato, somente durante uma única tarde. Talvez eu gostasse das expectativas positivas que a ideia daquela casa encerrava. Um grande jardim, uma banheira, o futuro em suspensão.

— A casa nunca mudou, as paredes só foram pintadas de branco durante uma única vez, após o conserto da infiltração de invadia a cozinha. A reforma durou meses.

— Ao entrar eu podia sentir o cheiro de óleo da moto que ficava guardada na sala de estar, os sacos de cimentos e cal pelo corredor cheirando a cachorro, a cortina que mantinha a cozinha abafada, os inúmeros papéis que eu escondia reiteradamente embaixo da travessa do café. O cheiro das caixas de papelão repletas de mais plástico e papel. O eterno estado de transição.

— Eu gostava muito de deitar-me no quintal, tomando sol sem filtro solar, ouvindo música alto, segurando o jornal desajeitada, observando o movimento das nuvens. Como era sedutor sentir-se triste naquela época. De tempos em tempos eu caminhava a passos curtos até o banheiro do fundo. Afastava as vassouras, a pilha de roupa para lavar e subia em cima do vaso para conferir a marca de biquíni recém-adquirida.

— Eu gostava também de me deitar na cama dos pais para assistir TV durante a tarde, apesar de não gostar da textura da colcha e dos abajures, que quase nunca funcionavam. Eu gostava do cheiro dos travesseiros.

— Depois de um tempo consegui retornar, até com certa frequencia, para meu antigo quarto. Mas algo me parecia tão estranho que nunca mais consegui dormir sozinha por lá. As estantes pareciam confusamente organizadas, as caixas vazias de CDs que eu nunca havia ouvido, as peças de roupas antigas, o computador que não funcionava, as gavetas que não se encaixavam mais, o mundo que eu deixei para trás me encarando silenciosamente ao longo da noite.

— Há muito tempo não passo mais por aquela rua. Eu nunca chequei se a árvore que meu pai plantou na calçada cresceu. Eu nunca conferi se os novos moradores ainda deixam a porta de vidro aberta, com a chave enterrada no vaso com as espadas de São Jorge. Aposto muito que eles têm um portão elétrico no lugar do portão que minha mãe pintou de branco.

— Talvez eles até tenham reformado o banheiro de azulejos cor de creme que fica no corredor, que nós nunca utilizamos.