30 de out. de 2012

Le Scaphandre et le Papillon



O filme quase todo mundo conhece, o escafandro e a borboleta. O cara em coma e tals.

Comecei a assistir alguns anos atrás e desisti no começo. Muito pesado pra uma sexta-feira à noite.
O cara, ex redator da Elle francesa, sofre um AVC, fica em coma durante 3 semanas e quando acorda, absolutamente lúcido, não consegue mexer nem um músculo do corpo, esboçar nenhuma reação, comer, ir ao banheiro. O caso é chamado de “locked in syndrome”.

Aterrorizante. Pelo menos pra mim.
(Deus me dê forças para não falar em nome dos outros. Ou assumir meus medos como coletivos para minimizar minhas dificuldades.)

Bem, assisti novamente o filme na semana passada e fiquei mais chocada ainda ao saber que foi baseado no livro escrito pelo protagonista, Jean-Dominique Bauby.

Bem, durante esse período pós-coma, ele se comunicava com os outros somente piscando o olho esquerdo: uma piscadinha para sim, duas para não. Então uma das médicas que se ocupava dele apresenta um alfabeto diferente, por ordem de uso das letras.

Assim, ao invés de a, b, c, d, e, f....seria e, s, a, r, i, n, t, u, l... (O e seria a letra mais utilizada para se comunicar na língua francesa, pois ela aparece em mais palavras.)

A partir disso, os dois começam um trabalho de formiguinha que resulta no livro: a médica dita cada uma das letras e quando a letra que ele busca aparece ele pisca o olho.
E assim ele escreveu um livro de mais de 100 páginas.

!

O livro foi sucesso mundial com mais de 20 milhões de cópias vendidas e acabou virando um filme.
Jean-Dominique morreu algum tempo depois da publicação.

***

Os atores e a equipe técnica do filme é francesa, mas o diretor é americano. E o que é interessante (além do trabalho bem curioso que ele faz com a câmera desfocada durante o filme) é que ele é conhecido também como pintor neo-expressionista. E sabe? C’est pas mal.

Olha que moderninho:





Essa é uma das minhas favoritas:



Morte e vida severina, não?

http://www.julianschnabel.com/

Nobuyoshi Araki


Troquei a foto do header. Todo mundo percebeu?
Chocante eu acho. To apaixonada pela imagem.

Acabo de descobrir o Nobuyoshi Araki. Ele é japonês, 72 anos e considera suas fotos seu diário íntimo, toda sua vida registrada em imagens.

Vida e morte são seus temas preferidos. Mantendo a liaison entre os dois, sexo. Acho que são os temas preferidos de todo mundo, certo? De maneiras mais ou menos sutis.

Meninas podem achar grosseiro, agressivo e machista. Eu também deveria achar, mas o bom de não ter padrões morais muito rígidos é achar não ofensivo esse tipo de imagem.




Nem é a que eu mais gosto, coloquei só pra chocar mesmo. Prefiro as flores.


Porém, gosto dessa.


Me lembra a descrição de um curso na Casa do Saber que falava sobre a relação humana com o capitalismo.

"A lógica do discurso capitalista é fálica e masculina (falocentrismo). O agente capitalista se endereça ao consumidor por meio da oferta de objetos que prometem a felicidade e a plenitude. Ao mesmo tempo, o objeto capitalista é, por definição, provisório e traz em si a insatisfação: é, portanto, um discurso dialético. A função da propaganda e do marketing seria fazer com que os produtos fossem aceitos socialmente enquanto objeto fálico, ou seja, enquanto objeto que vem para preencher uma falta original. No capitalismo, a lógica do Ter é a lógica do Ser. Refletindo sobre o capitalismo, Freud cogitou a possibilidade de ele ser não meramente um sistema inventado pelo homem, mas, mais do que isso, um reflexo do próprio modo de operar da psique humana." (Welson Barbato, em relatório do curso "O Gozo Feminino", aula de 8/11/2011)

Sei bem que capitalismo e fotografia japonesa são dois temas que não conversam muito, né? Mas pensando em Freud e sexo até dá pra segurar o gancho.

Ou não.

Pra fechar, citação do próprio Araki, em francês porque peguei no Le Monde:

"La photographie est l'obscénité par excellence, un acte d'amour furtif, une histoire, un roman à la première personne."




1 de out. de 2012

Só na resenha


Era pra ser uma resenha de livro, mas eu estou com preguiça. Ou não sei fazer direito a coisa toda.

Digo, podia começar assim: “Terminei essa semana de ler o engraçadíssimo livro...” ou “Aurélie Boullet, ou melhor Zoé Shepard é a francesa por trás do....” ainda, “Com milhares de cópias vendidas...” (isso eu inventei, nem tenho os dados de venda do livro).

E isso é também uma das coisas que me impedem de ser jornalista, tudo tem que ser comprovado com números, especialistas, baseado em pesquisas - de preferência inéditas.
Não quero ser jornalista nada, quero escrever bobagem em uma coluna, novela, roteiro de filme b ou ser poeta surrealista - caminho que seguem todos aqueles que não sabem escrever com métrica e rima.

Bom, digressões passadas não movem moinhos e eu volto à minha incrível dica de livro de hoje, que é só pra você, querido leitor, que lê francês. Na verdade, não precisa leeeeer, leeeer, pode ser estudante intermediário e tals, porque o livro é fácil. Tem um monte de gíria, mas é fácil. Talvez tenha a versão em inglês, mas tem que procurar, né? Pode ir lá no Google que eu te espero.

Ai que grande resenhadora de livros eu sou, melhor dar o nome do livro antes, pelo menos.

O título é "Absolument de-bor-dée", que significa algo como o nosso, "super f*-di-da de trabalho".*

Aí a coisa é assim: uma francesa, com um supercurrículo (oito anos de estudo em uma das melhores universidades de Paris), começa a trabalhar como funcionária pública e acaba tendo seu potencial subaproveitado (se você não sabe, a França é um dos países com o maior número de funcionários públicos no mundo*).

Bem, acontece que o serviço público na França, se parece com a imagem que temos do serviço público no Brasil: ineficiente, burocrático, reuniões sem foco, funcionários desmotivados e, às vezes, incompetentes.

E a autora denuncia tudo isso de uma maneira irônica, engraçada e, em última instância, constrangedora - apesar de nunca ter sido funcionária pública, pude observar várias das situações que ela descreve nas empresas onde já trabalhei.

Sem falso moralismo, já vi (e já fui) muitas vezes, a funcionária desmotivada que faz perguntas idiotas ou finge trabalhar. Ou aquela excessivamente preparada para o cargo. Acontece.

No começo do livro, ela afirma que para conseguir um bom emprego, antes de tudo, é preciso saber blefar. Os entrevistadores não estão interessados em saber se você é exatamente adequado para o cargo, e é ai que começa o problema.
Eles esperam que você diga o que eles querem ouvir: ideias em voga, expressões da moda, o mínimo conhecimento do negócio (que pode ser adquirido via Wikipedia), teste escrito modelo-Fuvest (introdução, dois argumentos e conclusão em 25 linhas). Quem nunca?

Por exemplo.

Não se alguma vez você, sem nada pra fazer, resolveu procurar emprego em shopping. Sabe, tô ai de bobeira, vou fazer umas entrevistas pra ser vendedor. Ops, quer dizer, entrevista não, processo seletivo.

Pois pra ser vendedor em shopping hoje em dia, primeiro você precisa escrever uma redação com o tema: “Por que eu sempre quiser vendedor de shopping”, brinks, não é isso, mas algo como, “Por que eu sou adequado ao cargo”. Texto que você começar assim (seja qual for a vaga): Competente, motivado, responsável e com bom relacionamento interpessoal..

Você também precisa participar de dinâmicas de grupo e responder questões altamente relevantes, como: "Se pudesse escolher, que bicho você seria?".
Em uma dinâmica para trabalhar em uma livraria que participei, metade das pessoas respondeu: "leão, pois ele tem garra" (mais jura?), "cachorro, pois ele é fiel" (inovador, uhm?) e, por fim, uma gênia que respondeu: “uma formiga, porque eu adoro trabalhar em equipe”. HAHAHAHAHAHAHA morri.

Reparei bem nos entrevistadores nesse momento e vi todos marcando pontinhos positivos para ela na folha de avaliação.

Em outra oportunidade, para uma vaga de vendedora de padaria vi um anúncio que pedia envio de CV e carta de motivação. (!)

Caros recrutadores, meu objetivo sempre foi trabalhar em padaria. Não pra fazer o pão, pois não sei cozinhar hehe :), mas pra vender mesmo. Desde criança eu dizia em casa: olha quando eu crescer, quero vender pão, leite de saquinho, pãozinho de queijo, presunto, croissant, queijo prato. É meu sonho. Imaginar aquela fila de gente de manhã, cada um com 50 centavos no bolso, e eu realizando o sonho das pessoas de ter o próprio pão quentinho todas as manhãs! Não há dinheiro que pague a sensação!

E isso também é muito importante, nunca diga que você precisa do trabalho pela grana. Pega muito mal: então, eu quero vender pão mesmo porque tô desempregado, tenho conta pra pagar/ no final do ano queria ir pra praia com a família/ tô no primeiro ano de faculdade e juntando dinheiro pro Oba no carnaval / minha mulher não me aguenta em casa.

***

Bom, é claro que esse formato de recrutamento deve ter sido desenvolvido por profissionais altamente qualificados, psicólogos, pedagogos, grandes executivos, mas isso não significa que ele sirva para contratar todo tipo de profissional, para qualquer tipo de cargo.

O saldo são equipes desmotivadas, funcionários inadequados para cargos de liderança ou operacionais, desperdício de dinheiro, cansaço, insegurança generalizada.

Milhares de funcionários são contratados todos os dias, com base em critérios mal formulados e, às vezes, não devidamente discutidos em cada uma das empresas (fórmulas prontas raramente funcionam ao lidar com pessoas). Parece-me que o formato de recrutamento hoje em dia (de modo geral) esta equivocado, e isso não é mérito só do Brasil, como pude notar ao ler o livro da francesa Aurelie Boullet.

Portanto, investir em gestão de pessoas pode ser o pulo do gato para firmar cada vez mais o nosso país entre as nações mais influentes economicamente do mundo futuro, dividindo com países de primeiro mundo mais os acertos que as falhas.

Voilà minha conclusão, Sr. avaliador.

Na saideira, fica a dica de um livro brazuca sobre gestão de empresas e, consequentemente, de pessoas. Chama-se "Você está louco", da Ed. Rocco. O autor se chama Ricardo Semler que, para quem lembra, foi o mesmo autor do sucesso "Virando a própria mesa", no final da década de 80. Vale a leitura.

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG75126-5856-432,00.html

* tradução mais do que livre.
* dados, claro, não comprovados.

Olha uma entrevista com a autora do livro "Absolument de-bor-dée", se interessar: