31 de jan. de 2009

Verdes campos, flores, amarelo, furta-cor

Ele tinha os cabelos compridos no passado. Achava-se muito especial, parecido com o Jim Morrison. Todavia não sabia o que era ayahuasca, nem sabia da predileção de Jim por Rimbaud.
De qualquer maneira era um rapaz inteligente. Talentoso e autodidata, intolerante e com um ar meio apático que fascinava as mulheres, meninas ou mães dos amigos.

Não tinha preconceitos. Gostava de loiras, morenas, nordestinas, ruivas, negras, até mulheres grávidas (e casadas). Se tivesse um pouco menos de orgulho próprio seria michê, mas não queria ser redimido a simples objeto sexual. Sabia que as mulheres o procuravam pelo pau sempre duro, pelos cabelos despenteados, pelo jeito de beber, por aquele jeito de falar sem se importar e uns olhos infantis.

Gostava de falar, mas não gostava muito ouvir. Passava por aquela fase niilista e existencialista que todos os jovens do mundo deveriam passar em algum momento da vida. Queria ser funcionário público só porque não gostava de trabalhar e ainda acreditava naquele lance de drogas como inspiração artística e toda aquela história de portas da percepção, apesar de nunca se lembrar de Willian Blake.

Gostava de acordar de ressaca. Gostava das fugas, de não ter responsabilidade. Procurava alguém que cuidasse dele.
Mas toda vez que isso acontecia, ele fugia. Um pai que o bancasse, uma mãe que preparasse almoços aos domingos, uma mulher que dividisse planos de se mudar para Europa para conhecer Budapeste.
Nunca conseguiu nada disso, buscava nas sarjetas, em garrafas de vinho barato e em todas as bucetas da cidade algo que nunca teria.

Fumando um cigarro atrás do outro, em frente a uma árvore centenária do centro, cumprimentava mendigos e traficantes, apesar de não ter a menor consideração por nenhum deles.
Começou a chover e ele não se moveu. Sentiu as primeiras gotas e o vento morno cortar sua pele.
Tinha feito a barba.
A água não apagou o cigarro. Algumas gotas caíram dentro da garrafa do vinho vagabundo. Sua mente estava confusa, culpa, medo, orgulho próprio, auto-suficiência. Intransigência. Algum pavor.

Fuga inconsciente, inerente. Era sagitariano com ascendente capricórnio, que merda. Ele cagava para isso de astrologia. Só ouvia sobre essas coisas se isso garantisse uma foda muito boa. Mas estava cansado de todos os tipos de jogos, especialmente os sexuais. Achava punheta coisa de moleque à toa. Sabia muito bem que as pessoas tentavam justificar suas fraquezas, medos, traumas por meio de uma vida sexual ativa.

Que se foda essa merda toda, só queria sexo se fosse com uma puta bem suja, dessas que vivem na sarjeta e dividissem um dose de conhaque e um cigarro vagabundo com ele.
Queria a vida pelas ruas, vivendo à margem da sociedade. Mandar toda aquela merda de cidade, bons costumes, moral, pra casa do caralho.
Cuspir em um altar de igreja. Lembrou daquela foda em um confessionário quando tinha uns 15 anos. Expulso mais uma vez daquela escolinha de merda.

Sua mente voltava-se até aquela cidade do interior cheia de puritanismo, catolicismo e gente medíocre, verdadeiro reduto de bêbados, maridos infiéis, mulheres sedentas por sexo anal.
É, quanto mais cristão e subdesenvolvido, mais vontade de dar o cú. Deu mais um gole na garrafa de vinho.
Bela idéia, mas não era sua. Só achou engraçado se lembrar disso. Não era bem engraçado, mesmo por que ele odiava pessoas felizes e idéias divertidas.
Rituais, celebrações. Seu maior fetiche era fazer sexo em cima da mesa de Natal. Entre passas, taças, arroz, abacaxi, peru, ervilhas, toalha vermelha.
Jogar tudo pro chão, salvar só o molho do peru e rolar pelo carpete encharcado de molho, suor, entre tapas e orgasmos.

A chuva havia cessado, mas ele mantinha-se em pé. O vento estava um pouco mais gelado.
Queria voltar pra casa, dormir na sua cama.Porém, sentia-se como um intruso e seus lençóis eram muito quentes e limpos para alguém como ele.
Decidiu não voltar. Tentou ligar a cobrar para alguns ex-amigos. Ex-namoradas. Não que quisesse mesmo falar com algum deles. Queria só irritar alguém, ouvi-los o chamando de baixo, imoral, escroto, insensível.
Sim, sou vil e ignóbil.
Por um instante sentiu-se muito bem com a idéia. Jogou o celular contra a parede.
Mas logo se arrependeu. Como ouviria música? Que som abafaria sua própria voz, que insistia em ressoar pelo seu corpo inteiro?

Se fosse mulher choraria, mas odiava tudo aquilo e nunca teve muitas lágrimas. Essas putas modernas que assistem "Sex and the City". Isso mesmo. Putas. Todas vagabundas, vendiam-se por tão pouco.
Queria mesmo uma estrangeira, que não falasse porra nenhuma. Estava cheio das aspirações medíocres dessas mulheres todas que o cercavam.

Começou a andar. Seguiu até a São João.
Cambaleante, não olhava o movimento da rua ao atravessar. Era sim, muito prepotente, onipotente e egocêntrico. Sabia disso, sabia também que havia tido problemas na infância. Subiu em uma grade. Virou toda a garrafa de vinho. Jogou o vidro do outro lado da rua dedicando à Freud. Tentou acender um cigarro, mas o vento estava forte e o isqueiro não conseguia manter a chama. Entrou no primeiro bar que encontrou e pediu ao garçom que o ajudasse.
Saiu no mesmo instante. Bar de merda. Sujo, engordurado, com velhos bêbados e prostitutas com boca aberta e pernas flácidas.
Queria era jogar bilhar e ouvir Sabbath, mas não tinha nem um puto no bolso.
Resolveu voltar pra casa.

Abriu a porta com dificuldade. Mijou com a porta aberta. Sim, havia alguém acordado, mas ele não se importou em ver quem era. Pegou o violão, rascunhou algumas músicas, procurou alguma cerveja esquecida na geladeira.
Não havia, mas se lembrou de um resto de uísque que estava no armário da sala.
Tomou banho com a garrafa na pia, trocou de roupa. Ainda bem já havia feito a barba.
Comeu algumas bananas que estavam na geladeira.
Saiu rumo ao ponto de ônibus com o rosto quente, sem sensibilidade nas mãos, com o pescoço suando. Não se lembrava de qualquer coisa da noite passada.
Sentou no fundo do ônibus. Cochilou e sonhou com estátuas, pinturas renascentistas e alguns amigos da infância. Beijos na boca e o cheiro de alguém que ele havia esquecido em algum ponto de um passado recente.

29 de jan. de 2009

Pet Shop

Ontem eu deveria escrever. Deitada na cama, queria ler, ver, assistir, escrever, engolir, falar, fumar, mas mantive-me deitada. Quase como se estive cansada.
Saudade de quando ainda valia a pena chorar ou simplesmente apagar a luz e ficar em silêncio. Alguém, por favor, avisa por aí que eu fiquei invisível.
Mas não, não era essa a sensação. Era algo pior, como se fosse um tesão incontrolável, orgasmos múltiplos, aqueles segundos que antecedem o clímax. Mas não tinha sexo, por que não era bom.

Sabe aquela vontade de vomitar?Não, também não era isso. Fugir muito menos.
hahahaha
passou longe.

Vontade de escrever algo super poético e profundo, contemporâneo, mas de que adianta se não sou capaz de criar uma peça de mkt dirigido?
Nunca desistiria, nunca levantaria assim, com uma desculpa qualquer e fugiria da página em branco. E depois, sentada com paredes, e páginas e telas e tanta a coisa a ser preenchida ao meu redor, não quis escrever. Não que não pudesse, posso. Só não quero mais falar sobre as coisas que eu sei, isto é:

Não quero, cansei. Porque tudo é tão relativo? A partir de agora só quero verdades absolutas na minha vida.
Você me ama? Amo. Então, acredito.
Você escreve bem? Sim, muito. Eu já sabia.
Você é autoritária? Claro que não. Unanimamente democrática. E toda unanimidade é burra. (Ponto) (Verdade) (Conceito?)

Tá, aí né. Hoje acordei. E me deu assim uma vontadezinha de chorar, cara foi da hora. Seria legal derramar umas lagrimazinhas assim, disfarçando com o óculos de sol, enxugando as gotinhas de sal silenciosas que iam estragar o rímel e o blush.
But, não chorei.
É, sai, fui pra rua, o telefone tocou e eu esqueci que tinha que chorar. E fiquei bem puta, porque ainda quero, mas não to com vontade.

Liga aí pra mim, diz uma bobagem qualquer pra me ofender, só pra me dar esse prazer? Mas liga tipo à tarde, umas 3, 4 horas. Porque aí, além de chorar, vou ter uma desculpa pra dar uma voltinha no quarteirão e fumar um cigarro.
Pô, faz esse favor, vai?

22 de jan. de 2009

Obama

Sim, eu também vou escrever sobre o Obama, pensou enquanto ruía as unhas em frente ao espelho.
Porra, momento histórico do caralho. Um negro, pra ser melhor só se fosse um negro muçulmano. Caralho, caralho.

Sentada no bar não lembrou de falar sobre isso, mas nossa, o que foi aquele vestido verde abacate da primeira-dama?Ai vida miserável, essas americanas novas ricas, nenhuma tinha a classe e requinte de uma Carla Bruni. Ahhh, sim Jack Kennedy (bocejo).

Bem, mas Obama estava ali, a página em branco, sentiu-se parte da história viva, preciso escrever, deixar registrado que era sim politizada, e não pensava só em Big Brother, indicados ao Oscar, corridas, sexo, pequenezas do trabalho e picuinhas como unhas roídas.
Tentou simular uma epifania, uma mudança no curso do texto, pra poder fugir com alguma sutileza do assunto.
Não, não.

O-BA-MA.

Mas quer saber, achou uma bosta aquela festinha da MTV, flashes de celular, uma valsa não ensaiada, trilha sonora fraca. Depois de tantos anos assistindo produções róliudianas astronômicas, aquilo parecia um filminho de Bollywood.

Plim.

Será que isso foi um sinal, uma dessas mensagens subliminares que a MTV transmite em suas vinhetas?
Pensa só, um negro no poder. Um negro revolucionário. Muçulmano, democrata. Começo de uma nova era para o planeta. Fim de antigas convenções, novas perspectivas, uma nova maneira de olhar o mundo.
Depois de tantos anos enxergando os Estados Unidos pela ótica da indústria parcial-hipócrita-maniqueísta dos roteiristas de Los Angeles, será que a posse de Obama não foi representada propositamente para indicar o fim da hegemonia americana da maneira que conhecemos até hoje?
Um produção simplezinha: Ei, muleque, se toca, tudo aqui é real. Você tem que se emocionar sem trilha sonora, sem um grande roteiro fake. Ele é o cara e chegou pra ficar.

OBAMA é presidente.E antes de ser americano, é negro e muçulmano. Poderemos dormir, conversar com amigos nos bares, ir de ônibus ao trabalho e até entrar na fila pelo novo iPhone (Steve Jobs lives!), viver nossas vidas tranquilamente sem achar que Bush invadiria a Venezuela continuaria no Iraque ou montaria bêbado em seu cavalo atrás de índios paquistaneses, ops, camponeses, ops.

(sic, sic, não pude evitar)

Sim, ele podia estar atrás de você nesse momento! (Tinha que colocar aqui aquela fotinho do Tio Sam, né?)

Barack é antes de tudo um cidadão do mundo.
Vamos comemorar sua vitória assistindo a filmes iranianos. Vamos tomar um pisco e comer um lanche ali no Habib's. Tomar nossas brahmas pensando o quanto acreditamos em Deus e não desistimos nunca. Encheremos nosso peito de orgulho, aiaiaiai. Sim, sim.

Até a próxima guerra, até a próxima bomba, até o próximo conflito. Até a próxima ameaça mundial.
Por que você sabe, né?
Ele é cidadão do mundo, mas antes de tudo humano, demasiado humano.
E nunca confie num humano tanto assim, já dizia Will Smith.

OBSERVAÇÃO: Medo, mas medo mesmo na vida agora só do Tom Cruise cientólogo. Tipos, ele come placenta. se fecha.

9 de jan. de 2009

As novidades mais quentes da última hora

Não sinto vontade de falar, espero o tempo passar. Sereno, calado, qual era mesmo aquela palavra? Lânguido, lânguido, tinha esquecido que sabia o que era isso.
Como naquele dia que te contei sobre vaidade e escrever um livro todo com impressões inconscientes e você achou do caralho, e eu enchi meu peito de orgulho porque você tinha concordado comigo, fiquei me sentindo tão especial e olhando para você enquanto pensava o quanto você iria se arrepender de não ficar comigo. Onde encontraria alguém que falasse sobre tudo que você gostava de ouvir assim?
Lembrei que você sempre me esperava no bar com um copo da minha bebida favorita, e ria quando eu dizia que gostava de blood mary.

Como ontem, conversei com essa pessoa e enquanto ela falava eu só ficava procurando atos falhos e defeitos, e um certo rancor me fazia ranger os dentes. Será que ela notou? Será que ela sentiu? Porque às vezes desejamos mal para as pessoas sem ter a intenção, sabe? Ou talvez a intenção seja a pior de todas...
Queria ser como ela, assim, articulada. Ou aquela outra amiga minha, que conheceu Singapura e a Malásia, e ainda tem covinha na bochecha.
Caralho, sempre quis uma covinha. É algo meio a pinta da Cindy Crawford.

Sim, alguém entrou no msn agora, pensei que podia ser você. Como penso toda vez que chego em casa que você poderia estar lá me esperando. Ou deixado uma carta com meu porteiro, você é tão old school que me mandaria uma carta, não um e-mail.
Mesmo que fosse algo para me xingar, sabe? Eu poderia ainda sentir sua respiração ofegante e seu hálito quente e. Eu te mostraria novas músicas francesas, só pra você rir de mim e dizer que acha tudo uma bosta. E eu poderia encher minha casa de alecrim, como naquele texto do Caio Fernando Abreu, ou eu poderia ter um janeiro cheirando a pêssegos e incensos, exatamente como os dezembros da Lorena. E passaria uma água de cheiro como Gabriela.
Mas com você eu não precisaria de nada disso, porque você gostava do meu cheiro e gostava de sentir minha respiração.

Eu sei, tá uma merda esse post. É porque não é um texto, é só um post de um blog. E me sinto especialmente inspirada para dizer coisas não interessantes hoje.
Não quero pensar, só existo. Ignobilmente, pusilânimamente (uhuuuu), perdidamente afogada em mim mesma, adormecida dentro do meu próprio peito. Não vivo, não pertenço, não me ausento, porque para sair teria que ter para onde voltar. Não sei nem bem o porquê deste vazio sem gosto. Espero que os dias passem devagar o suficiente para que não sinta aquele vento que bate quando se está em alta velocidade.

Vou ao cinema hoje, para assistir aquele filme, aquele novo de um diretor antigo. Você não sabia nem quem era Pablo Neruda...
O que mais você não sabia mesmo?

Minha visão turva-se, olho minhas mãos marcadas pelo sol, anéis agressivos, as unhas, malditas unhas. Por que você é melhor que eu?
Pareço tão inadequada à cadeira, a carne descolada dos ossos, a pele não resiste, mas os cílios são longos. Os dedos não sabem para onde apontar e os olhos não conseguem enxergar nada sem ser através de lentes multicoloridas. (Objetivo de 2009: comprar óculos 3D. sei lá, podia ser um relógio cor-de-rosa e aquelas geléias gosmentas que ficam marrons no final. Vende na FNAC. Garanta o seu agora mesmo. Está esperando o que?)

Sim, você não entenderia. Sujeitos herméticos, você sabe? Acho que não, você só falava sobre....sobre...sabe que me esqueci? É assim que as coisas começam?
Eu já deveria ter aprendido. Com você não tem mais graça.

7 de jan. de 2009

Não leia, já sabe, né?

O coração parece tentar sair espremendo-se pelas minhas artérias. Fugir, parar de bater, sossego, um descanso, uma pausa.

Olho através da janela o dia ainda claro, a palmeira, ou coqueiro, movimentada pelo vento. Esse ar todo de verão me enjoa, pessoas desfilando suas novas ou velhas roupas. Seus sorrisos e patéticos óculos de sol e que mais? Pastas, muitas pastas.
Estranho, um coração que bate na garganta. Qual será o meu problema? Ensaiei coisas que eu deveria dizer, decorei todas as coisas das quais deveria te acusar, me martirizei com minha culpa e desculpas.

Sonhei que sim, você ainda pensava em mim. Esperei sim, que você notasse o quanto tudo estava.....esteve o tempo todo diante dos seus olhos, dos meus. Como pudemos?
Como tudo isso aconteceu? Me pergunto, de qualquer maneira, como chegamos até aqui mesmo? Fugíamos juntos?Ou corríamos de tudo, incluindo um do outro?

Definitivamente você é sagitário com ascendente em capricórnio. Mas decidi, sim, decidi. Em 2009 não acredito mais em horóscopos e começarei a usar presilhas no cabelos, tiaras de princesa e flores de todos os tipos.
Ahhh, vou sim assistir ao Luiz Melodia, e vou também ver até aquele filme do cachorro, pra chorar por algo que valha a pena. Vou a yoga aos sábados, vou nadar na USP.
Olha só, compro várias revistas, livros, encho o mp3 de novas músicas, bebo com as amigas às quintas, volto a ir ao Lapeju, aceito todos os convites que fizerem, até aqueles para videokês na Rua da Gloria.

Belo nome esse, Rua da Gloria, essa rua merece receber um assassinato passional qualquer hora. Chiquérrimo, não?

Organizo armários, livros, limpo janelas, banheiros, volto a comprar a Bravo, me inteirar sobre política externa, preço do petróleo e terceiro setor.
Durmo cedo, procuro na agenda telefones de caras do passado, revejo fotos e passo horas no supermercado escolhendo um novo amaciante de roupas.
Lavo meu carro, fumo, fumo muito.

Mas não abro a janela que costumava abrir, nem bato a cinza no trilho, muito menos acendo meus cigarros com os fósforos da parede. Você se lembra?
Ainda se recorda? De noites e dias, muitas madrugadas, discussões intermináveis pelo telefone, todo meu mau humor, minhas crises, minha paciência, minhas confissões. Você conseguia perceber quando eu te contava segredos?
Eu queria o tempo topo ouvir você repetindo aquele r seu, aquele que não é retroflexo. Como é mesmo?

Sinto novamente uma dor na garganta, esse gosto do estrago, uma certa fraqueza nos braços, o estômago desfragmentado. Revejo os dias e conto tudo novamente. Quantos dias mesmo?
Já é noite e a rua já está suficientemente escura para que eu possa sair sem ser notada. Até por mim mesma.

Mais do mesmo. Mesmo, viu?

Ela tentava esconder de si mesma, mais uma vez encontrava-se fugindo.

Pulsos cerrados, respiração ofegante, olhos apertados. Primeira providência a se tomar, ela já conhecia de cor, acender um cigarro. Sim, vamos todos fumar. Você fuma, eu fumo por que vc fuma e aí quando não está comigo você não fuma e eu acho que a culpa dos seus vícios sou eu.

Meu raciocínio é sempre genial assim, melhor, bem melhor que o seu e a lógica formal que você detesta. E eu detesto tudo em você.

Eu sou uma puta, daquelas bem fáceis, que se vendem por qualquer promessa vazia, qualquer barba mal feita de toque macio. Qualquer segredo ao pé do ouvido, qualquer coisa que você fizesse...

Parei, hein?

Foda-se você, tenho até ânsia de vômito e dor de estômago, tá bem, não vou exagerar....talvez fosse só sexo, quem garante?

Talvez fosse sei lá, qualquer merda, umas dessas coisas que acontecem, destino, astrologia, intuição, Deus, vou colocar até o Diabo nessa lista pra ficar bem cafona.

Mas, veja bem, não sou assim como você, ou uma outra psicótica qualquer. Olha só, tá vendo, deveria estudar um pouco mais de psicanálise. Ela não gosta tanto de você assim, ela só te usa como fuga existencial pra correr das próprias neuroses, por que ninguém ama tanto assim outra pessoa a ponto de esquecer de si mesmo.

Foda-se o que você acha. Foda-se você e todas as suas mentiras e fugas.

Perco o fôlego, aquele gosto amargo do seu silêncio, a garganta seca e um certo pavor reprimido que cresce a medida que você se tranquiliza por não me ter mais por perto. Um fogo me acende por dentro e por alguns instantes minhas veias parecem pulsar ao ritmo inexorável com que você se afasta. Você e suas lembranças, eu e minha culpa.

O gosto amargo na garganta – o estrago - me lembra uma música qualquer, uma tarde de domingo procurando no céu por uma estrela perdida, já deveria saber que isto era um indício.

Queria sentar e te relembrar de todos os bons momentos, cuspir na sua cara tudo que fiz, gritar bem alto que eu sempre tive razão, provar para você que você sempre fez tudo errado. Que eu, e meus valores, crenças, minha falta de moral e de ética, minhas verdades. Eu.

O cigarro acesso...observo inertemente a fumaça que sai pelas pontas dos meus dedos, procuro alguns círculos, como aqueles, sabe?

Mas a fumaça que sai dos meus cigarros não repete seus movimentos, e quanto mais te procuro, mas você se dispersa como a merda da fumaça da merda de um cigarro que me lembra você.