30 de nov. de 2010

quando o carnaval passar

Eu disse pra ele que tinha saudades, com bastante s no final.

Ixi, ele ficou bravo-disse: Chega!, mas disse pra mim que não tinha ficado bravo não:

— Faz bem o que quiser, não tenho nada pra te dizer não. Só não suma não, mande notícias, ligue vez em quando, quem sabe para um jantar ou sexo.
— Mas benzinho, eu amo você.
— Não quero mais ouvir isso.
— Mas eu não consigo ser amiga, quero ser namorada: assim, beijada, abraçada.

Ele não quer, não quer nada.
Sem mim, ele fica mais calmo. Mais calmo? Ai.
Agora você só quer ser só amigo.
Mas fechei os olhos e quase escapou a lágrima que tava guardada pra você lá dentro.
Eu vi meu ódio quase nascer.
Mas então: acho melhor a gente não se ver. Posso ser amiga não. Tenho mágoa da separação.

Ele diz: mas a gente não terminou por falta de amor.
Não?
Não, você concordou comigo que era melhor.
Uai, mas você disse: nem quero mais, não consigo me empolgar nesse amor não. Eu obedeci. E passei bem quietinha pela porta, como o Chico já tinha me ensinado a fazer há muitos anos.

Fui falar sobre o fim da gente junto, bom é relembrar quando a gente ainda era um.
Ele demora pra responder: então tá bom, apareça quando puder, se quiser.

Eu fiquei sozinha do outro lado da linha, olhando os carros passando na janela, pensando naquela rua da sua casa e da vida calma sem mim.
Quem sabe não é assim que se pareça um fim?

26 de nov. de 2010

Margens

Os textos mais fáceis são aqueles que não devem ser escritos.
As melhores histórias são aquelas que queremos esquecer.

O presente de aniversário que não veio.
O telefone de madrugada que não tocou.
Você chorando à noite sem saber se as lágrimas eram reais ou só existiram no sonho.

Talvez exista uma beleza nas coisas que você deseja e nunca se realizam
Talvez exista um abismo entre os planos que faz e a vida que se desenrola

E eu me pego, às vezes, lápis em punho. A voz embargada. o peito fechado.
Pronta para escrever.

às vezes, posso me sentir pronta para ser feliz.

10 de nov. de 2010

Poetinha vagabundo

Eu subi a ladeira que leva até a sua casa
Percorri os caminhos, ancorando-me nos muros de terrenos vazios
Eu sentia que deveria te contar a verdade

Você correu quando viu minha sombra circulando a lateral do cemitério da Vila. Jesus, você correu.

Eu segui pela calçada disforme, com minha garrafa de vinho, com os cabelos presos e as mãos sujas.

Eu te disse, lembra, do apartamento, com vista para o cemitério da Consolação? Eu gostaria de passar por lá qualquer dia, sabe? Acho que devem ter esses escritores enterrados lá, naqueles jazigos de casa, que parecem pequenas igrejas.

A moça me disse, não te contei?  Pô, você tem maior cara de quem era gótica na adolescência, curtia beber vodca entre os túmulos.

Pô, pensei, bem queria ter sido gótica. Mas tudo que consegui foi terminar uma vez, com um namoradinho skatista, recitando Vinicius de Moraes.

Ele ia na minha casa de mobilete (né?), ele era fofo, sabe? Loiro. coisa só.
Chegou em casa a tarde, um suor doce. Eu desci bêbada de Vinicius, livro debaixo do braço. De todos os poemas que havia decorado naquela tarde, o mais adequado parecia ser o soneto da separaçao.

Eu não sabia ser sutil naquela época, uma pena que só.

Eu carregava um grande sorriso de satisfação aquele dia. Aquele poema era mais do que algo bonito, era a tradução do que eu queria ser. Veja bem, a tradução do que eu queria ser, não dizer.

Mas eu disse, repeti palavra-por-palavra: sabe? tava lendo um poema hoje a tarde: De repente do riso fez-se o pranto / Silencioso e branco como a bruma / E das bocas unidas fez-se a espuma / E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

Hoje eu não me lembro muito bem do poema, a ordem das estrofes, o sentido. Mas eu lembro do menino que era skatista. Nunca mais conheci alguém que tivesse uma mobilete.

Mas acho que foi aí que comecei a gostar dos loiros.

5 de nov. de 2010

O lobo e mar

Eu construi minha casa.
Você não pode entrar.

Eu cuspi em nosso caminho.
Você sequer pode notar.

Estamos cegos.
Engasgados das histórias que inventamos.

Sigo altiva.
Você não conseguirá me decifrar.

*

ô seu pedro, que peixe tem ai bom pra sashimi?
shashimi? Ahh, tem o piáu, o tucunaré, né? Qualqué um dos dois fica bão.
Vo levá o tucunaré.

*

Eu tirei uma foto na cachoeira.
Eu fiquei comendo um monte de acerola com a Ariane debaixo do pé.
Eu recolhi todo o lixo com o Oswaldo. O seu Oswaldo é porco.

*

Eu moro num apartamento de 50 metros quadrados.
Eu não beijo a boca de poodle nenhum, ainda.

*

Eu não tenho pudor. A moça me disse e pediu desculpas.
Eu queria beijar as mãos dela: ai, quem me dera você tivesse razão.

Eu tomei uma caipirinha de manjericão. Eu sonhei com você.
Eu podia ter beijado a foto do meu passaporte na hora que vi minha foto estampada na marca d'água.

*

Eu almocei assistindo um jogo de futebol.
Eu vi a chuva chegar.
Eu vi a tarde passar. Eu sorri.

*

Eu queria muito poder te salvar de você, baby.

*

Eu vejo a noite entrando na minha parede invisível. Oito horas, pisca nervoso o reloginho do meu desktop: noite de sexta de verão.
Penso em ficar com pena de mim e penso a tristeza de passar a noite sozinha.

Ai quero muito alguém e um jantar.

Pego o Terminal Pirituba e olho a noite úmida: pode ter trânsito, vai. To com pressa nem nada.

Desço na Faria Lima. Ai, se eu tivesse alguém e um jantar. Caminho até a Rebouças (por que esse cara caminha tão perto assim? melhor não olhar) Tenho nada não, né mesmo? Nem um filme bom no cinema, nem uma peça de teatro.

Parque D. Pedro. Desce a Consolação, cobrador? Penso no jantar, no vinho, na musica. E, de repente, tá tudo tão bem desenvolvido na minha cabeça, né? Vou desperdiçar isso não.

Vou até o Pão de Acucar da D. Veridiana, subo a Maria Antonia. Paro na banca de jornal, procuro os peitos da moça da capa de revista que parecem os meus. A revista com a capa do Paul. 15 contos. pô, vai se ferrar.

Saio pela calçada abarrotada de histórias. Ai, podia encontrar alguém bem ali pra me salvar da minha estupida ideia de levar minha sexta-feira sozinha adiante.
Desvio da fumaça do cigarro do menino, das amigas bebendo cerveja na escada do sesc, como tem bares novos que eu nunca conheci.

Quero comprar um vaso de flores, umas velas aromáticas. Fecho a fatura um gnocchi semi-pronto, um molho de tomate de microondas e um vinho de 22 contos.
É o prato da noite.

Vou logo ali matar a curiosidade de saber o que é um date comigo mesma. Vamos ver, se eu for muito legal, e desconfio que eu seja, te passo me telefone. Quem sabe você não me leva pra conhecer uns desses barzinhos novos da Maria Antonia?


*

Eu sinto muito por todos nós.

2 de nov. de 2010

Sobras

Acordei de sobressalto
Escrevi, de sobreaviso, meu nome na parede do teu quarto
Sobrexaltei tuas verdades
Cometi, sobretudo, a indelicadeza de te amar.

Sobrevivo.