10 de nov. de 2010

Poetinha vagabundo

Eu subi a ladeira que leva até a sua casa
Percorri os caminhos, ancorando-me nos muros de terrenos vazios
Eu sentia que deveria te contar a verdade

Você correu quando viu minha sombra circulando a lateral do cemitério da Vila. Jesus, você correu.

Eu segui pela calçada disforme, com minha garrafa de vinho, com os cabelos presos e as mãos sujas.

Eu te disse, lembra, do apartamento, com vista para o cemitério da Consolação? Eu gostaria de passar por lá qualquer dia, sabe? Acho que devem ter esses escritores enterrados lá, naqueles jazigos de casa, que parecem pequenas igrejas.

A moça me disse, não te contei?  Pô, você tem maior cara de quem era gótica na adolescência, curtia beber vodca entre os túmulos.

Pô, pensei, bem queria ter sido gótica. Mas tudo que consegui foi terminar uma vez, com um namoradinho skatista, recitando Vinicius de Moraes.

Ele ia na minha casa de mobilete (né?), ele era fofo, sabe? Loiro. coisa só.
Chegou em casa a tarde, um suor doce. Eu desci bêbada de Vinicius, livro debaixo do braço. De todos os poemas que havia decorado naquela tarde, o mais adequado parecia ser o soneto da separaçao.

Eu não sabia ser sutil naquela época, uma pena que só.

Eu carregava um grande sorriso de satisfação aquele dia. Aquele poema era mais do que algo bonito, era a tradução do que eu queria ser. Veja bem, a tradução do que eu queria ser, não dizer.

Mas eu disse, repeti palavra-por-palavra: sabe? tava lendo um poema hoje a tarde: De repente do riso fez-se o pranto / Silencioso e branco como a bruma / E das bocas unidas fez-se a espuma / E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

Hoje eu não me lembro muito bem do poema, a ordem das estrofes, o sentido. Mas eu lembro do menino que era skatista. Nunca mais conheci alguém que tivesse uma mobilete.

Mas acho que foi aí que comecei a gostar dos loiros.

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