10 de nov. de 2008

Sujos de tantas outras paixões

10:00 da manhã.


Em pé, sozinha no meio-fio. Sol. Céu. Um céu azul que você me mostrou outro dia. E eu pensei naquela fotografia que nunca existiu.

As pessoas continuam se movimentando, trânsito, buzinas, pombas, comida, sujeira, gordos, feios, grávidas, cachorros sarnentos, namorados apaixonados, vendedores ambulantes. Velhinhos estúpidos, sujeitos burocratas, advogadas e seus sapatos de bico fino. Uma música ao fundo, um restaurante que cheira a paredes engorduradas, um cuspe no chão, uma rua esburacada, pombas, pessoas, crianças, bicicletas, motos e capacetes cor-de-rosa.


O céu me pertence. Ninguém esbarra em mim. Sinto como se eu fosse o eixo pelo qual a terra gira, tudo acontece em círculos à minha volta.E é como se eu não tocasse o chão por que não sinto meus pés.

Penso em todas as coisas que nunca existiram, todos os amores que desperdicei, minhas fugas, minhas fraquezas. Quero tacar fogo em tudo, já falei, um rito de passagem.


Não movo os braços, mantenho-me firme, em pé, não me permitiria ajoelhar ou sentar no meio-fio com os pés na rua, cabeça entre os joelhos. Mantenho-me sempre ereta.


Tudo continua em círculos, girando ao meu redor, pessoas, cachorros, comidas, buracos, portões, celulares, vitrines, peitos e bundas, cabelos, ambulantes, dinheiro. Girando cada vez mais rápido, não sinto minha respiração, não sinto meus joelhos e os pés das pessoas e os sapatos das advogadas e as mochilhas dos estudantes e não me mexo, não me misturo, não me perco, não cedo, mas meus joelhos já não obedecem, meu tronco não se sustenta, curvo-me perto do bueiro, logo abaixo do meio-fio.

E vomito púrpura e sangue. Violeta e anis.


E vomito mais um pouco e vou perdendo a força. Sob meus cabelos, sob meus pés descalços, o líquido quase translúcido escorre pelo meio das minhas pernas, encontra a sarjeta, desce lentamente até o bueiro e se perde na água que já está em ebulição lá dentro.


Tento alcançar o fundo, mas minhas mãos não atravessam a grade suja de ferro.

Apóio as mãos nos joelhos. Pneus, o chão quente, de perto os buracos no asfalto não são tão assustadores assim, penso. Pernas, verrugas, línguas de cachorros, um rato morto do outro lado da rua e uma bituca de cigarro numa poça d'água.


Limpo a boca com o braço.

Você segura meus cabelos, ajeita para trás. Sua imagem faz sombra sobre meu rosto e o sol não atinge meus olhos, você filtra toda a dor para eu não me machucar.

Te ofereço minha mão, o sinal está fechado. Vamos sair daqui.

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