9 de fev. de 2009

feiras e seus hífens

Era uma tarde de sábado chuvosa e quente. Ela tinha uns grandes olhos castanhos amendoados.

Olhos para comer. Mãos para ver. Uma dor deveras fria para sentir.

Sentada, observava a chuva que nunca atingia sua rua, não alagava sua casa. Resumiasse somente a um barulho distante, estridente, quase bom para dormir, se ela conseguisse fechar seus grandes olhos.

Ajeitou os cabelos para trás, pensou em ler um livro, olhava o teto branco. Não, nem pensava em nada demais. Se é que pensava em alguma coisa. Estava, simplesmente. Não era, não existia, não possuia.
Porque para ser deve-se possuir alguma coisa, não? Um colar de pérolas, um anel de prata, sapatilhas vermelhas, um gadget qualquer, uma saudade, um desejo, uma verdade.

Levantou-se, foi em direção ao espelho. Experimentou um par de calças velhas. Pintou os lábios com um antigo batom vermelho cheirando a mofo. Pendurou grandes brincos de madrepérola. Ficou sem blusa, prendeu os cabelos, acendeu um cigarro e abriu, uma a uma, todas aquelas gavetas e livros e pastas.
Sentou-se no meio de tudo, envolvida por muito pó e fantasmas que não existiam.

Espalhou cartas, bilhetes, memórias, fotografias. Olhava para tudo com grande afetação e um certo sentimentalismo grosseiro. E se fizesse um ritual? Dançando nua em volta, enquanto ateava fogo à todo aquele silêncio que vinha da chuva lá fora.
Ainda se chovesse dentro, e toda essa tempestade acontecesse dentro daquele quarto de paredes borrentas. E seu peito partisse em dois.
Mas não, só uma brisa morna e seus grandes olhos céticos amendoados garantiam alguma vida àquele estúpido lugar.
Ela se animou. Estúpido.
Sim, lugarzinho de merda.

Não conseguia mover-se. O cigarro se auto-consumia no cinzeiro. Começou a sentir-se mal. Sufocava, engasgada pela própria respiração. Vontade de se rebelar. Declarar guerra contra si mesma.
Consciente x inconsciente, ela não sabia que lado lutaria. Quem era o mocinho dessa história? Animus poderia ser o vilão?

Sua vida era uma eterna fuga contra o presente, e um gosto de ressaca amargo de um passado que nunca cicatrizava.
Vivia vizualizando esse momento pós-hoje que seria mágico e perfeito como ela merecia.E, então, todas as noites, deitada em sua cama, permitia-se acreditar nisso por 5 minutos até pegar no sono.
Mas seus sonhos eram repletos de labirintos e caminhos que ela desconhecia, mesmo em seus sonhos ela fugia da chuva e da água que insistia povoar seus cenários inconscientes.

E, assim, o futuro nunca chegava em sua casa, em seu quarto, sua cama.
A culpa era sua, mas suas mãos estavam atadas e seus grandes olhos amendoados serviam só para comer, não para enxergar através da janela que permanecia fechada.

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