29 de abr. de 2009

Pois eu fico, disse batendo os pezinhos no chão

Pensa numa vadia afetada. Era assim que eu me sentia ao acusar a pobre menina loira (?) de puta.
Foi mais ou menos assim. Não vi, mas não gostei. Meu coração parecia tentar escapar pelos meus dedos do pé. E sentia uma pulsação que me arrepiava todos os fios não-loiros e não ondulados do meu corpo.

E justo eu, que curtia minha crise de desaprendizado, inspirei-me novamente só para poder reclamar. Porque aqui, dentro da MINHA folha em branco eu posso te chamar de vagabunda afetada sem talento clichediana, que nunca pensou nos mesmos olhos oblíquos que eu.
Aqui, dentro do meu pessoal e muito humano Word. Quente e hard eu posso dizer e você não pode me criticar.

Então, em bati em sua porta. Mas você não estava. Com as pontas dos pés, muito tensa (me contaram depois) pisei dentro de um território outrora seu. Afinal, você não o ocupava mais (não preciso explicar a mecânica do MST, né?).

Primeiro sentei-me em seu sofá. E achei tudo muito macio e de bom gosto, não havia como não notar. Tomei banhos com seus perfumes e troquei os seus lençóis. Quer saber? Não havia mais nenhum resquício do seu cheiro impregnado neles.

E eu dormi de olhos bem fechados e de corpo aberto. Lábios semi-cerrados, que é como eu gosto.
Pensei em colocar Cartola, mas optei por Cordel do Bode Encantando. Só para poder ouvir uma música bem alta. Não, de maneira nenhuma, nenhum problema comigo mesma, acredita?

Aquele ar de outono sempre me fez tão bem. Queria tanto abraçar e me sentir envolvida e feliz. Por um instante esqueci que você havia pisado os mesmos passos que eu.

Suas roupas nunca me serviriam. Não sei porque, só sei dizer que nunca tentei. Imagino que você tivesse mal gosto, a pensar nos biquinhos cereja que me pareciam samba-suor-terra-lágrimas-otimismo-afetação. Vagabunda, vaca, dissimulada.

E eu queria pular daquela janela ou sair correndo por ruas burguesas e fugir de tudo aquilo. Não tenho vocação para felicidade, não sou carismática, não sou legal, não sou relaxada, não sou humilde, não sou nada disso.

Nunca fui.

E aquela sua casa estúpida e aquela farsa toda armada, o que EU tinha a ver com aquilo? Melhor fugir, corra enquanto é tempo. Corra enquanto é tempo, deixe-se pender para o lado mais fácil.

Não quero te enfrentar, porque para isso teria que enfrentar minhas próprias fraquezas, que ontem estavam refletidas na sua imagem torpe do outro lado do espelho.

Então, em um movimento brusco, inconsciente, súbito. Virei-me em sua direção, enfiei minhas mãos através do vidro e te arranquei pelos cabelos. Você me parecia tão distante, que quase tive pena.

Mas te beijei. E toda minha saliva gerou uma brisa quente e seus braços tão inertes atravessaram minhas veias, minha pele e você sucumbiu.

Eu sorri quase com sinceridade, mas com muita compaixão. E você pode me sussurrar segredos de liquidificador no meu ouvido antes que eu pudesse me justificar ou te agradecer.

Você volta para o espelho. E agora suas mãos estão grudadas no vidro. Se eu encosto as mãos posso te sentir e só neste instante nos perdoamos.

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