A gatinha apareceu primeiro, foi num sonho.
Depois que todo mundo ja tinha morrido.
E eu nao sabia, naquela época, como tinha ido parar ali. Me lembrava de
ter subido as escadas, bebido a agua no chao como um cachorro, comido o pedaço
de pao como um bicho, sem odio sem nada.
Nua, nua em pêlos. Com a buceta descoberta, os peitos roçando o asfalto.
Quase mais viva em morte que na vida.
Me lembrava de voce. Docês, daquele sitio que minha avo tinha naquela
estradinha de terra. Da casa mal assombrada, do pe de roma e da jabuticabeira
com uma galinha sentada em cima do galho me olhando de um olho so, como se
fosse um gato.
Tinha um pe de tamarindo perto da cerca no final do quintal, onde a gente
quase nunca ia, porque era longe e depois tinham.e vacas, vacas sao mais
perigosas que galinhas.
E eu tinha muito medo : de cobra, de galinha, de galo, tinha ganso,
de quero-quero, do tio bia. Quer dizer.
Eu sonhei com esse lugar naquela noite. Mas nao me senti feliz. Crianças
nao sao felizes. E eu me dava conta
disso justamente quando descobri que estava gravida.
Eu queria ter uma gravidez calma, com parto natural em casa, fazendo yoga
de cabeça pra baixo.
Mas quem eu queria enganar : eu nao era essa pessoa. Eu nao sabia o
que se passava, mas me agarrava ao mais novo fruto do meu ventre como tabua
rasa de salvaçao. Meu filho semente era minha mae e meu pai, ele tinha mais
autoridade sobre mim que eu sobre ele.
Mas eu nao disse nada. E eu fingia chorar, quando à noite chovia. Eu nao
botava medo em ninguem. Mas também nao chorava.
Foi nessa época la que comecei a sentir raiva. E quando vieram falar
comigo, joguei um estojo na cabeça deles igual quando a jeiuza tinha feito
jogando a jarra na cabeça da minha irma.
Nao acertou, como nao tinha acertado com a Jeiuza. Mas la, eu nao podia
mais ligar para a minha mae.
Sai correndo. De novo, aquelas escadas que eu veria mais pra frente.
O portao embaixo estava trancado e eu nao conseguia pular o muro.
O filho, que eu nunca teria, abanava com suas maozinhas do
outro lado rua
Eu na frente do portao que nunca atravessaria em vida.
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