11 de abr. de 2014

A menida de mil fitas


Apoiou os cotovelos na mesa, afundou o rosto entre as mãos. Os cabelos, se estivessem soltos, cairiam entre os dedos e sobre papéis em leque em frente ao computador.
Uma memória choque de tomada a fez recompor-se num salto. Olhando pateticamente para a tela do note.  Desligou-o como robô.


As ideias dançavam. Tinha olhos para alma, ela poderia gabar-se, isto é, se pudesse desperdiçar seu tempo com divagações, sobretudo à respeito de sua elegância. Claro, ela tinha amor próprio e.

Foi interrompida pelo rapaz de olhos de formiga e testa amarela com algumas planilhas na mão. Planilhas de excel, documentos Word, e-mails impressos e uma porção de números chatos, muito chatos entre aquelas letras datilogradas. Ria em silêncio de si mesma. Se a ouvissem falando em datilografia. E-mails são di-gi-ta-dos, pensava maquinalmente.

O rapaz repetia seu mantra fragmentado, que ela já havia decorado:

"Urgente.-números não batem-funcionários-caixa-urgente.-gerente de banco-hora da saida."

A estrutura era sempre a mesma, bastava preencher com o dia da semana, mês, nome do gerente novo/funcionário demitido. Era quase musical.

Ela vivia absorta em idéias vazias e alheias, num fluxo lento e ilógico.

Saiu da sala a passos de bailarina. Entrou no carro, girou a chave. Girou de novo. Tantos anos com um carro a álcool, conhecia certas de suas vaidades. Olhou no espelho o rosto invisível, o batom borra de café.

Dirigia vidrada e com uma tristeza inerente às mulheres, aquela que Vinícius de Moraes havia declamado. Mas nem sabia mais se não se lembrava da música ou se era justamente uma canção que ela não gostava. Vinícius, seu velho machista.

Apertou com força o freio. Sinal vermelho. Lembrou bem a tempo de passar na padaria.
Estacionou e desceu do carro ofegante. Se curvou em arco-íris para pegar a  bolsa de toneladas no assoalho.

pães, filtro para café, presunto, queijo prato.

Olhando as vitrines-fios-de-ovos quis uma tortinha de morango. Jogou moedinhas em cima do balcão e pediu ajuda à moça da padaria para contá-las. Faltava 1,20. Pediu o desconto.

Comeu seu doce enquanto dirigia. Era dessas que nunca esperarava chegar em casa.

E chegando chez elle não havia ninguém. 
Tudo seria o deserto, não fosse o cachorro mijando por todos os lados.
Se bebesse ou fumasse, poderia sentar-se no sofá. Assistiria a novela das 8 tomando uma cerveja, dormiria sem tomar banho e acordaria no dia seguinte com a consciência inabalável.
Mas não tinha tempo para. Não tinha motivação para.

Quando deparou com aquele vidro azul, transparente e se lembrou do presente-surpresa que havia recebido pela manhã.

E, sentou-se na beira da cama. Tirou o salto alto, a bolsa no chão, soltou os cabelos em cachoeira e abriu com quase devoção (diríamos) o frasco. Cheirou o perfume virando os olhinhos e pensou definitivamente: Isso tudo aí ainda há de valer a pena.

E se nos estivéssemos la, poderíamos ver uma aquela de 17 anos cheia de sonhos borbulhantes, que um dia ela havia esquecido entre papéis, poeira e certas rotinas.

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