18 de abr. de 2014

Meu caro amigo

Desculpe, eu sei, lhe devo tantas visitas. Não sei nem mesmo mais. Você me receberia? Mas escrevo, escrevo poemas por covardia, medo de encarar essa vida sozinha. Sem a literatura, o que me sobraria?

Talvez fosse eu nessa cama, ao invés de você, talvez fossem as minhas cortinas que estivessem fechadas e eu, como um cachorro, estivesse de olhos fechados, fingindo dormir, correndo atrás de meu próprio rabo.

Mas vejo só você, e nos seus olhos, é refletida a minha dor. A dor de todo esse mundo,mas que você anda achando que é só sua. Aí nesse quarto, lambendo suas feridas, remoendo seus erros, apontando os culpados, intelectualizando cada suspiro. Com medo de amar.

Porra, medo de amar.

Amigo, meu caro, você não sabe nada sobre a vida. Você sinceramente acredita poder controlar a vida? Os outros? Você que andas as tantas aí, espiritualizado, não seja mais um desses canalhas ingênuos, falando em Deus, buscando a paz na montanha, o ermitão platônico, a serenidade utópica do não-conflito, deitado nesse quarto escuro, em eterna disputa consigo mesmo.

Eu descobri o segredo da vida. Todos os seus segredos, sua alma nua, todas as máscaras que dividimos.

Claro, ando como sempre muito mística, mas quais são os seus medos, inseguranças, traumas?
Não responda, não importa, desde que você se lembre que eu também tenho medos, inseguranças e traumas, que me motivam a fazer mil coisas, atacar ou me defender. Assim como você.

Quem é o culpado? O que tem a maior dor? E quem será o juíz? O meu Deus ou o seu?

Você está se vitimiza agora, bate os pezinhos no chão, não pode ser: você precisa de alguém para culpar pela sua miséria emocional (isto é, se você for corajoso bastante para admiti-la).

Mas eu te digo, não há a quem culpar, nem a si mesmo. Pois todos nós fazemos o melhor que podemos com o que temos no momento. Esse é o seu mantra. A vida só é perfeita se vista pelo mistério, pelo encanto, desencanto, pela morte de cada dia. Além disso, ela não vale coisa alguma. Nem uma mísera moeda do teu dinheiro suado, nem um mísero ponto de vista seu: seja sobre política, futebol ou sobre o novo carro do seu
vizinho.

E o pior, quer saber, os coqueirinhos na Bahia continuam balançando com o vento malemolente do Atlântico, apesar do seu medo idiota de amar.

Quer se matar? Vá, levante-se como homem e num gesto enfim coerente tenha a coragem de sair da vida, covardemente fugindo para a morte. A vida não é pra qualquer um. Talvez ela não seja mesmo para você, aí deitado na sua cama, se perguntando sobre a suas limitações, que nunca fizeram nem farão diferença nenhuma.

Eu já estive nessa cama. Eu já achei que Deus morava no alto daquela montanha, que o inferno são os outros, que o fato do outro não me amar fosse a causa do meu sofrimento.

Mas entendi o segredo de tudo quando me descobri parte desse mistério. Um dia sol, outro chuva, dia e noite, yin e yang, vida e morte. Ciclos que fazem parte de um todo, uma pequena engrenagem da roda da máquina mágica que não conhecemos.

Talvez eu morra amanhã, talvez seja você. Enquanto isso, estrebucho meu céu e inferno nessas porcas linhas imaginárias, para poder ter força para seguir adiante.

Vem me dê a mão. Eu acendo seu cigarro, a gente faz amor. Coragem.

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