6 de mar. de 2014

A bola do Chico


O Chico. Que quando tinha oito anos. Brincava de bola.

Goleiro na trave, menino do gol, pega toooodas chicoréu.

Bem no campinho de futebol, no aniversário do primo, em festinha de quem aluga quiosque e contrata churrasqueiro: guaraná quente, coca-cola, brigadeiro, cachorro-quente, (cachorro errante do vizinho), bolo-chocolate-granulado.

A tia suava o peito no sutiã, a blusa com estampa de flores, viscalycra, calça legging e saltinho. Comendo coxinha de guardanapo: eu também não gosto dessa Claudia Raia não. namorando aquele menino, como é ? não tem coca-zero, não?

O tio, alto de tanta latinha, só pensa na gerente nova na sua seção. ele fala fala, desgostoso da vida: uma biscate Valdir, biscate de puteiro de quinta, mas tem um 4x4, calça branca e calcinha vermelha e tudo, Valdir. Fala "metting" e manda email copiando o Seu Lourival, como se ele lêsse essas merdas, aquele lá não sabe nem quiqui é email não, Valdir, e eu que trabalho normal, faço minhas coisas...uma biscate.

Biscate, biscate, biscate! Chico segue gritando com a bola. Correndo pro campinho. Biscate, biscate ! E as meninas dando risada. Chico e a bola. Guaraná na mão, o canudinho molhado.

Come Chico, come a terra, a amiga da prima desafia : duvido ó. Chico come, come até grama. Faz graça pras meninas, mostra língua com formiga. E corre comendo brigadeiro do bolso.

O vô e a vó chegam com presente enrolado em papel de jornal, a mãe repara, mas finge que não viu. O Chico também quer presente.

O Chico não quer goiaba, o Chico não gosta da Bárbara, o Chico não é filho de Oxum.

O Chico é Chico por causa do bisavô: Francisco. A vó acha que foi milagre ter nome do papa e reza pra alma do neto abençoado

Chico dança funk, tem calça curta e colar de terra, a mãe limpa o suor, arruma o cabelo pro lado. No parabéns sopra as velas, canta com-quem-será e leva tapa na orelha do primo. Empurra o carrinho da irmã, quer servir salgadinhos, puxa cabelo da prima.

Com a bola, a sua bola. Ele dá chute, segura no braço. Só tem jogo se Chico tá no gol.

Chico é perna de pau, mas a bola é do Chico.

Ele leva gol até do perneta do Daniel. Ninguém quer ele no time, mas sem ele não tem jogo, sem ele não tem time, sem ele não tem bola. O Chico e a sua bola. Toma gol até da Paulinha, tem que comer feijão, Chico.

Mas ele tá de saco cheio. Ele é o rei da festa, oras bolas.

Ele sobe na trave, o símbolo dos seus fracassos, escalando os ganchinhos, grita lá de cima: eu sou o dono do mundo!

Mas o Chico perde equilíbrio, a bermuda enganchada na lateral da trave, o Chico despirocado de cabeça pra baixo, bala caindo do bolso, o sangue escorrendo na barriga, o primo chama a mãe, a mãe chama chama ambulância, ambulância vem os médicos. As tia chorando, as meninas suando.

Pois desse dia, ninguém nunca mais esqueceu foi do Chico, preso pelas bolas do seu saco, na trave do gol do campinho.

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