Oi, mãe.
Hoje eu sonhei com você, não, acho que foi
ontem. Eu sonhei com muitos homens essa noite, sonhei que dirigia uma moto.
Minha terapeuta disse que isso é um bom sinal.
Será que ela vai me liberar? Eu queria poder
sair daqui. Eu queria poder voltar pra casa. Meu irmão tá bem? Tá forte? E
minha avó?
Hoje tinha essa senhora aqui, ela só tinha
que tirar sangue, mas ficou: Ai, meu Deus. Ai, meu Deus.
Tão batendo na porta.
Era minha comida. Tô com vontade de comer
doce de goiaba em calda. Vontade de suco de goiaba com laranja, lembra mãe?
Mas a velha continuou gritando e eu fiquei
pensando: cada um tem o que merece. Que Deus não deixe que eu vire uma velha
assim, chorona igual criança pequena.
Quando eu era nova, mãe, eu tinha medo de
escrever. Medo de tudo que eu escrevesse se realizasse. Então eu parei de
escrever. A terapeuta disse que foi aí que as coisas começaram. A gente tá
nesse momento de ficar revendo a infância, mas eu to cansada disso tudo. E, às
vezes, quando ela entra, eu finjo que durmo.
Igual eu fazia na casa da minha avó quando eu
era pequena. Será que ela se lembra?
Eu conheci um menino aqui. Ele parece comigo.
A gente até deu uns beijinhos. Ele veio aqui do meu lado e disse que nunca
gostou de mulher de cabelo comprido, porque a mãe dele raspa o cabelo. A mãe
dele sai em balada gay, ela fala russo. Foi só isso que ele me disse e me
beijou uns selinhos.
Eu sei, mãe, acho que você nunca me perdoou.
Eu queria pedir desculpas. Eu queria pedir desculpas daquela outra vez que você
chegou na minha casa e eu não deixei você entrar. Você não entrou, só meu pai
entrou. Não foi isso? Você ficou brava, eu sei, você disse que me matava. Não
foi você quem disse?
Sabe meu irmão, ele tá forte? A foto que eu
tinha dele, eu acho que perdi. Se eu ficar velha eu vou ficar chorona igual um
bebê?
Você me disse que eu era chorona, mãe. Quando eu peguei a faca, eu peguei a faca, mas eu não ia te matar, mãe. Eu não ia, era faca de manteiga, não
era? Eu falei pra terapeuta, mas ela ficou quieta. Eu odeio quando ela fica
quieta. Odeio a cara dela seca de ameixa. Ela é muito magra, mãe. Muito magra.
Eu odeio ela.
Eu queria te ligar, mas a moça me disse que
não tem telefone aqui. Eu procurei um dia à noite, eu vi as câmeras. Mas não
tinha telefone mesmo. Não tinha ninguém e eu tava sozinha. Isso foi antes do
meu amigo vir me dar selinho.
Depois disso, a moça disse que eu tinha
inventado, mãe. Que aqui não tem homem nenhum, só tem mulher. Mas ela é louca.
Eu gostava dela antes, mas agora sei que ela é louca.
Mãe, você pode vir me buscar? Eu disse pra
moça que ia te escrever e você vinha me buscar. Igual quando eu tava na escola.
Você demorava, mas vinha. Igual na escola, mãe. Eu vou chorar achando que você
não vem, mas você vem depois me buscar.
Mas a moça não responde mais, mãe. Ela tá com
sangue na cabeça, mãe. O sangue é roxo. O olho dela tá esbugalhado amarelo. Mas
eu não fiz nada, não fiz nada. A faquinha de pão tá suja de sangue, mas eu não
ia machucar ela, mãe. Vem me buscar, mãe. Daqui a pouco eles vão chegar, você
precisar vir me buscar. Meu amigo tá lá embaixo já, eu vou te esperar.
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