8 de mai. de 2014

Saravá

De autor desconhecido

Então acontece uma dessas coisas que só são possíveis quando você mora numa cidade de praia: você não vai à praia.
Digo, você não vê o mar, não se impressiona com a beleza, o ar puro, e todos aqueles clichês que envolvem o sonho padrão de um paulistano medíocre: morar na praia.

Digo: você não.
Eu.
Muito prazer, paulistana medíocre, ao seu dispor.

Digo, eu que não nasci em São Paulo e faço parte de mais um clichê que envolve a cidade: 18 anos, classe média, que vem à capital cursar faculdade.
Sim. Morei numa kit, frequentei a Augusta, trabalhei desde o primeiro ano da faculdade e, claro, bebia na Paulista com caras com ternos mal cortados que trabalhavam em banco. Graças a Deus não fiz cursinho na Liberdade. Dessa me livrei por pouco.

Soa um pouco pessimista, né?
Mas tudo isso me conduziu até onde estou hoje. Vagando pela Europa sem dinheiro, sem moradia, bebendo uísques vagabundos, fodendo com estrangeiros em hostels que cheiram a naftalina.
Escrevo agora de Londres, com uma garrafa de gim em uma lan house de um vietnamita.

Uau.
Que fucking Bukowski eu daria: escritora, bêbada, fumante, sem dinheiro e, absolutamente, genial.
E aí teríamos um clichê que valesse a pena na minha vida.

Nada mais longe da minha realidade. 

Mas afinal, quem se importa com a minha vida? Beijo, mãe.

Afinal, falar de si mesmo na prosa é como fazer poesia sobre paixão. Rosas, estrelas, meu leito, penso em ti.
Caralho, penso em ti?
É quase como comemorar aniversário de namoro no motel, com lençol de seda dourado e champanhe barato no balde com gelo.
....
(Quem-nunca?)
...

"Saio da vida para entrar na história".

E agora tem até frase pulando dentro da minha história.
É. Porque decidi: este vai ser um texto surrealista.
Sou Mademoiselle Duchamp, baby. Este texto agora é minha privada, que eu vou pendurar na parede da sua sala. E você vai achar incrível, porque você me ama e ninguém mais entende minha arte, o que fará de mim, aos seus olhos, a coisa mais exclusiva, sexy e talentosa que você já comeu.

Oi, você ainda tá aí?

Sinto muito, isso tá errado. Eu queria falar de praia, eu queria fazer uma poesia sobre o mar. 
Eu queria fazer uma coisa sexual, mas lírica ao mesmo tempo. Castro Alves meets Nelson Rodrigues (ai, não ando nada modesta).

Sabe, já tava tudo na minha cabeça desde ontem à tarde, quando me obriguei a parar na praia para olhar o mar.
Isso, sentar e olhar o mar, respirar-e-mar, sentir saudades-e-mar.
Pensei que na minha poesia, a espuma era sua porra. E a gente podia/

Mentira, a coisa da espuma-porra pensei agora.
E se pudesse apagaria, porque relendo me soa de extremo mal gosto. 

Claro, claro, baby. Poderia apagar...não sou nenhuma retardada que não sabe desfazer as merdas que faz.

Digo, será possível, de alguma maneira, apagar as coisas que fizemos na vida? Existe um backspace pra isso?

É muito fácil se esconder atrás de uma poesia, de joguinhos de palavras, segura pela gramática, parágrafos-pontos-vírgulas-tremas (eu uso tremas às vezes, soa tão sofisticado). Argumentos são lidos e relidos antes de se publicar. Racionalizando amores, rimas, oferecendo a um leitor imaginário a ilusão que você tinha absoluto controle do que dizia.

Escrever é para os covardes, baby.
Dizer que te amo exige muito mais do que uma página em branco.

Sobre a autora:

Faz ensaio sensual, já tem nome artístico de ninfeta ninfomaníaca.
Um dia chega lá: rainha da bateria, peitinho de fora, close de rosto inteiro no Jornal Nacional. Tá se guardando pra quando o carnaval chegar.
Na capa da Playboy, nome e sobrenome de família, ela promete. Sua hora da estrela.


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