12 de mar. de 2009

Sobremesa

Enfie a faca no peito, rasgando delicadamente o ventre.
Com a ajuda de uma tesoura, corte os seios e separe em uma tigela à parte.
Queime os cabelos com álcool e limpe a pele com língua.
Beije as entranhas carnívoras e dissolva as folhas verdes em éter.
Reserve todo o sangue em um vaso oriental como terra e açúcar mascavo.
Coloque na geladeira até assumir a consistência líquida, a cor translúcida e o gosto flácido. De pernas brancas envelhecidas.

Por favor, me salve. Ela grita com grandes olhos repletos de rímel. E um estranho e excitante pavor formiga seus lábios trêmulos.
Com a língua, limpa a mancha amarela do que restou na faca, e vomita sobre ele ao mesmo tempo em que lhe subtrai em um só golpe perfeito os lóbulos da orelha. Sim, agora tinha lóbulos só dela.

Ele sorria. Veja, faz tão bem sorrir sem lóbulos.

Levantou-se. Caminhou a passos incertos e cambaleantes até a nova escrivaninha.
Abriu a segunda gaveta, contando de baixo para cima do lado esquerdo.

Retirou tinta branca, azul e vermelha.

Muniu-se de muita coragem. E com um tesão incontrolável vasculhou a gaveta até o fim, quase tocando a parede. Sua respiração ofegante saia diretamente do peito. Sua garganta, aberta quase até o queixo revelava um buraco sangue-púrpura-macio-quente.
Parou em frente ao espelho por alguns segundos. Mais rímel, sim, muito mais rímel.

Enfiou dois dedos no pote de tinta branca. Esfregou delicadamente a tinta quase porosa nos lóbulos que havia acabado de retirar dos bolsos. Repetiu o procedimento.
Com os dentes arrancou um pedaço do vil bolo de carne entre seus dedos.

Não lhe interessava mais.

Mergulhou os restos de sangue, tinta branca e dedos no pote vermelho.
Bebeu de uma só vez o final do frasco.
Mastigou o plástico que comemorava naquele dia seu centenário de morte.

Enfiou o que restava de si no buraco da garganta, começando pelos pés, coxas, ventre, costelas, terminando, por fim, naquele chakra entre os olhos. E com a língua impulsionou-se rumo ao pote azul, antes que a luz verde do entre-olhos conseguisse escapar.

Restou no chão uma grande poça amarela, que ele misturou com a colher e lambeu vagarosamente enquanto assistia a chuva através da janela.

Um comentário:

Verena Ferreira disse...

vc sabe bem como despir cada uma das palavras.